Ácaros entre nós.
Eles se refugiam em nossas camas, se reproduzem no nosso rosto e são menores que o ponto final desta frase.
Este ácaro de solo é um predador que espalha terror em seu ambiente microscópico.
Muitos anos atrás fiz uma aposta sobre a presença, no rosto das pessoas, de ácaros – minúsculos animais que vivem nos folículos dos pelos. Tão diminutos são eles que uma dúzia conseguiria bailar sobre a cabeça de um alfinete.
Bem mais provável, contudo, é que estejam dançando no seu rosto, tal como costumam fazer à noite quando se acasalam, antes de se arrastarem de volta aos folículos pilosos, onde passam o dia comendo.
Também aí, nessas cavernas orgânicas, as fêmeas põem seus ovos. Após a eclosão, os bebês passam por várias mudas, durante as quais vão trocando o esqueleto externo e emergindo cada vez maiores. Assim que alcançam o tamanho máximo, dão início a uma existência adulta, que dura apenas algumas semanas.
A fim chega no momento preciso em que os ácaros, que não dispõem de ânus, ficam repletos de excrementos, morrem e se decompõem em nossa cabeça.
Hoje conhecemos duas espécies de ácaro que vivem no rosto, e pelo menos uma parece estar presente em todos os seres humanos adultos.
A aposta a que me referi era a de que, mesmo em uma amostragem restrita de adultos, seriam achadas outras espécies de ácaro, algumas completamente desconhecidas pela ciência.
Os biólogos estão sempre fazendo previsões desse tipo, mas a minha aposta específica estava baseada no modo como entendo as propensões da evolução e dos seres humanos.
A evolução tende a engendrar maior diversidade em pequena escala. Os seres humanos, por outro lado, têm a tendência de ignorar o que existe em formato diminuto.
Os ácaros aquáticos, por exemplo, pululam na maioria dos lagos, lagoas e poças, muitas vezes com densidades de centenas ou milhares de indivíduos por metro cúbico.
Podem estar presentes mesmo na água potável. No entanto, raros são aqueles que ouviram falar deles – incluindo, até pouco tempo atrás, eu mesmo. E olha que a minha profissão é justamente o estudo dessas criaturas minúsculas.
Alguns dos verdadeiros monstros do mundo acarino vivem no solo, em que é possível topar com ácaros predatórios e armados de um arsenal de instrumentos bucais.
Alguns têm mandíbulas dotadas de presas afiadas como as dos tubarões; outros contam com lâminas lisas, que se encaixam umas nas outras com força tremenda; e ainda outros conseguem perfurar as vítimas graças a sabres aguçados e letais.
Essas criaturas brutais se esgueiram pelos túneis abertos por vermes e por minúsculos orifícios entre os grãos de areia.
Há os ácaros que vivem na copa das árvores, nas folhas e na terra, assim como nas partes côncavas de epífitas, como bromélias e orquídeas. Até mesmo a comida contém ácaros.
O sabor típico do queijo mimolette resulta da escavação de túneis, alimentação, excreção e reprodução de ácaros. Na verdade, não há exagero em afirmar que os ácaros estão sempre transformando o mundo.
Podem tornar mais lenta ou mais rápida a recomposição de um solo, acelerar ou reduzir a decomposição de matéria orgânica, e afetar a saúde das plantações. A influência deles não tem a menor relação com o tamanho minúsculo.
Ainda não sabemos muito bem quantas espécies de ácaro existem no mundo – ao menos 1 milhão. Os museus estão repletos de coleções de espécies de ácaro que ninguém ainda estudou. Algumas delas têm fascinantes histórias evolutivas para nos contar.
Outras se alimentam de insetos herbívoros e poderiam beneficiar a agricultura ou a medicina. E ainda outras podem ser vetores de patógenos letais.
FOTO 2
EOBRACHYCHTHONIUS SP., AMPLIADO 996 VEZES –
Os ácaros são adaptáveis a diferentes nichos na natureza. Um exemplo: contas coloridas de uma cera que repele a água permitem que o ácaro de musgo permaneça seco no ambiente úmido
Mais um motivo para a minha aposta: ácaros são organismos especialistas que ocupam todo e qualquer nicho imaginável, incluindo a traqueia das abelhas, o eixo das penas das aves, o ânus das tartarugas, as glândulas odoríferas dos insetos, o pulmão das serpentes, o tecido adiposo dos pombos, o globo ocular dos morcegos frugívoros. Para sobreviver nesses hábitats, precisam estar dotados de características singulares – nos pelos, secreções, patas, estruturas bucais e comportamentos.
E contar com um esquema eficaz para se deslocar de um hábitat favorável a outro.
Alguns ácaros vão de uma flor a outra no bico dos beija-flores. Outras pegam carona no dorso de besouros ou formigas. Há ainda aqueles que flutuam em bolas de seda que eles mesmos secretam e nas quais se lançam nas correntes de ar.
Tudo isso significa que, se pudermos imaginar um hábitat, por mais restrito que seja, lá encontraremos ácaros, mesmo quando o acesso a esse lugar é complicado para animais minúsculos dotados de pernas e com um décimo da espessura de um fio de cabelo humano.
Mas nada se compara às idiossincrasias dos métodos de reprodução dos ácaros. Alguns clonam a si mesmos. Outros devoram a mãe. Há os que se acasalam com as irmãs ainda no interior da mãe e, durante o nascimento, acabam com ela.
As narinas dos beija-flores e as orelhas das mariposas são palcos de tragédias gregas encenadas por essas criaturas ínfimas e exóticas.
Os hábitats mais vantajosos são os corpos alheios: mamíferos, aves, insetos ou qualquer outro animal maior que o ácaro. Os corpos proporcionam a eles tudo de que mais necessitam: alimento e transporte.
A maioria das espécies de ave hospeda mais de um ácaro especializado e que não se encontra em nenhum outro local. Uma única espécie de periquito conta 25 espécies distintas de ácaro vivendo em seu corpo e suas penas, cada qual em um micro-hábitat diferente.
Em função dessa enorme diversidade e especialização, é fácil saber que uma sala repleta de gente (pense em todos esses hábitats!) seria um local favorável para a descoberta de ácaros – e, portanto, para comprovar a minha hipótese.
Por muito tempo esse foi só um modo de iniciar uma conversa em festas desanimadas. Recentemente, contudo, alguns colaboradores e eu juntamos um grupo de pessoas, e pedimos a elas amostras de suas peles.
Depois da coleta e de exames de DNA, comprovamos a presença de ácaros em todos os adultos que participaram do experimento, incluindo uma espécie desconhecida pelos cientistas e que parece prosperar sobretudo em pessoas de ascendência asiática.
Imagine você: um ácaro que vive em milhões de seres humanos, talvez até em bilhões, e que mesmo assim era desconhecido até então. Fiquei arrepiado.
Como os taxonomistas
Os cientistas que classificam e nomeiam as novas espécies – lidam com essa profusão de ácaros? A maioria pouco se importa. Imaginavam que a minha aposta na diversidade acariana era algo bem previsível, um dos fatos corriqueiros que comprovam toda vez que examinam uma amostra de solo ou quando colhem um pouco de tecido de um amigo.
Na realidade, basta a gente se limitar aos ácaros mostrados nesta reportagem, a maior parte pertencente a espécies que ainda não foram batizadas. E, muito provavelmente, é assim que vão permanecer por muito tempo, enigmas à vista de todos, como, aliás, grande parte dos seres vivos.
Fonte: NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL   |   Por: Rob Dunn.

Foto: Martin Oeggerli/Escola De Ciências Biológicas Fhnw, Suíça. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário