Linguagem
A ciência do estilo: como e por que escrever
bem
Farto dos velhos manuais, o psicólogo Steven Pinker reuniu achados da
linguística, neurociência e psicologia e propôs um guia de estilo "para o
século XXI".
Em entrevista ao site de VEJA, ele explica por que escrever é difícil,
quais as armadilhas mais comuns e como a ciência pode ajudar a superá-las
Escrever bem importa: conquista a
confiança do leitor e ainda "acrescenta beleza ao mundo", escreve
Pinker.
Os grandes escritores têm cada
um o seu "estilo": um modo próprio, único e reconhecível de se
exprimir. Mas "estilo" também guarda o sentido de "maneira de
escrever correta e elegante" e "linguagem aprimorada", conforme
os dicionários.
O que faz o gênio
literário é desses mistérios que mal se podem sondar. Mas a ciência já sabe
dizer o que torna a comunicação escrita "correta e elegante" e
como "aprimorar a linguagem".
O
psicólogo canadense Steven Pinker, da Universidade Harvard, acaba de lançar nos
Estados Unidos um saboroso guia de estilo "para o século XXI",
chamado The Sense of Style ("O sentido do
estilo", em tradução livre), que a Companhia das Letras estuda publicar no
Brasil. Pinker é um dos cientistas mais famosos e citados da atualidade.
Passeia
com desenvoltura por diversos campos da ciência e ainda tem a reputação de ser
um excelente escritor. Seu manual demonstra bem ambos os dotes.
Farto dos
velhos manuais de redação, Pinker investigou os princípios que regem o bom
uso do idioma à luz dos achados da linguística, neurociência e
psicologia.
"Sabemos
mais sobre a linguagem no século XXI do que 50 anos atrás. Temos melhores
teorias da gramática. Temos os resultados de experimentos sobre o que torna uma
sentença fácil ou difícil de entender", diz, em entrevista ao site de
VEJA.
"Isso
tudo pode se traduzir em conselhos mais úteis do que impressões pessoais
compartilhadas por um escritor."
Embora proveitoso a escritores
de qualquer "estilo", o guia de Pinker é dirigido especialmente
a quem deseja cultivar certo gênero particular de "prosa
clássica".
Moldado na França do século
XVII, por autores como Descartes, Pascal e La Rochefoucauld, o estilo clássico
se funda em dois pressupostos: um leitor intelectualmente capaz e um escritor
disposto a conquistá-lo para contar algo importante e verdadeiro.
"A metáfora que guia o
estilo clássico é a de ver o mundo. O escritor pode ver algo que o leitor ainda
não viu e orientar o seu olhar para que veja por si mesmo", escreve
Pinker. É o estilo que premia a clareza, marcas dos bons ensaios,
resenhas, biografias, artigos e até cartas, posts, e-mails etc.
Descartes
é uma espécie de patrono do estilo clássico. Seu Discurso Sobre o Método é umas das obras mais
concisas e acessíveis da filosofia – com cerca de 50 páginas, foi publicado em
francês, não em latim, como mandava o costume – e promete logo em seu
subtítulo "bem conduzir a razão e procurar a verdade", profissão de
fé dos autores clássicos.
Seus
ideais de clareza, coerência e racionalidade podem, no entanto, ser
identificados também em listas
de best-sellers: Thomas Piketty
(O Capital no Século XXI), Lira Neto (Getúlio), Laurentino Gomes (1808) e Walter
Isaacson (Os Inovadores), entre outros.
'A escrita
é e sempre foi difícil'.
Steven
Pinker, psicólogo
Por
que é tão difícil escrever bem?
A principal razão é a "maldição
do conhecimento": quando você sabe algo, é muito difícil imaginar o que é
para outra pessoa não saber a mesma coisa. Não ocorre ao escritor que os
leitores não conhecem seu jargão, não podem visualizar a cena que eles têm em
mente ou ligar todos os pontos sem dar os passos intermediários, que são
sonegados porque se supõe que sejam óbvios demais.
Por esta maldição, o escritor não se
dá ao trabalho de explicar os termos técnicos, expor a lógica do argumento ou
fornecer os detalhes concretos.
O
que há de tão especial sobre o ato de escrever no século 21?
Duas coisas. Em primeiro lugar, as
línguas mudam. Significados também mudam. Um manual de escrita tem de refletir
o idioma da forma como ele é utilizado atualmente, e não a língua falada por
nossos bisavós. Em segundo lugar, sabemos mais sobre a linguagem no século XXI
do que 50 anos atrás.
Temos melhores teorias da gramática.
Temos os resultados de experimentos sobre o que torna uma sentença fácil ou
difícil de entender. Temos estudos sobre a história do uso da língua e suas
controvérsias. Isso tudo pode se traduzir em conselhos mais úteis do que
impressões pessoais compartilhadas por um escritor.
Por
que o senhor enfatiza que seu guia é destinado a "uma pessoa
pensante"?
Muitos manuais de redação
tradicionais perderam o sentido. Eles fornecem pseudorregras que violam a
lógica da linguagem e que nunca foram observadas por bons escritores.
A única razão para um manual incluir
essas regras é que os manuais anteriores também o fizeram. Além disso, mesmo as
orientações sensatas - como evitar a voz passiva e omitir palavras
desnecessárias - não são tão boas se escritores seguirem-nas roboticamente, sem
entender como e por que elas podem melhorar a prosa (ou piorá-la, se aplicadas
indiscriminadamente).
Que
outras questões de estilo a ciência ainda pode iluminar?
Eu gostaria de ver mais pesquisas
sobre como as áreas do cérebro não ligadas à linguagem estão envolvidas na boa
escrita. Eu suspeito que áreas visuais e motoras do cérebro são ativadas quando
as pessoas leem textos bons, vívidos, ao contrário do
"profissionalês".
Eu também gostaria de ver mais
pesquisas sobre o que torna a escrita esteticamente agradável e
intelectualmente estimulante, em vez de apenas fácil de ler.
O que o senhor acha do estilo das novas gerações?
O que o senhor acha do estilo das novas gerações?
As pessoas mais velhas sempre acham
que os jovens estão corrompendo a linguagem e pondo abaixo a civilização. Hoje
é a internet. Não muito tempo atrás, era a televisão, e antes o rádio, a
publicidade impressa e a imprensa.
No entanto, cá estamos no século 21,
e não estamos grunhindo como chimpanzés. Muitas pessoas escrevem mal hoje, e
alguns são jovens.
Mas muitos jovens escrevem lindamente
(na internet ou não) - e muitas pessoas velhas escrevem mal. A escrita é e
sempre foi difícil.
Clareza
Clareza
Para expressar-se com clareza, é
necessário, obviamente, pensar com clareza, mas George Orwell observou que o
contrário também é verdadeiro. Falando sobre a língua inglesa, escreveu:
"ela se torna feia e imprecisa porque nossos pensamentos são tolos, mas
seu desmazelo torna mais fácil para nós termos pensamentos
tolos" — o que, a propósito, explica muito do incômodo causado
pelo dilmês e outros dialetos do poder.
Ao nos livrarmos dos vícios de
linguagem, argumentou o autor de 1984, poderemos
pensar mais claramente.
Orwell combatia a
desvalorização da linguagem, "no que se refere" à opção por
eufemismos, clichês, argumentos circulares e imprecisões várias. Pinker mira
alguns desses mesmos vícios de linguagem, mas lança um olhar benevolente sobre
o autor – e também sobre o leitor.
Seu mau escritor não é vulgar
ou esnobe, mas uma vítima da "maldição do conhecimento": é
simplesmente incapaz de se colocar no lugar do coitado do leitor.
Diversos estudos concluíram que
o ser humano tem uma forte tendência a esquecer o esforço que lhe custou
adquirir certo conhecimento, passando a tratá-lo como mero exercício do bom
senso. Como superar a maldição?
Para começar: evite o jargão,
cuidado com abreviações, procure explicar os termos técnicos e seja generoso
com comparações e exemplos. Um escritor atencioso deve saber que há um limite
para o conjunto de dados que o leitor pode processar ao mesmo tempo — e o
limite é estreito, algo como três a quatro conceitos de cada vez, segundo os
neurocientistas.
É possível agrupar as informações
em blocos, e assim abrir espaço para mais informações, mas isso exige
familiaridade com o tema.
O ainda ministro da Fazenda
Guido Mantega pode tratar confortavelmente "política monetária" como
um só conceito, assim como "centro da meta de inflação" e "ajuste
fiscal contracionista", entre outras expressões palavrosas do economês. Já
para o brasileiro comum, cada abstração dessas exige um tremendo esforço
cognitivo.
Graça
Estilo
importa, argumenta Pinker, por três razões. Em primeiro lugar: faz a
mensagem chegar ao leitor com eficiência, poupando-o de perder tempo
decifrando frases obscuras.
Segundo:
estilo ganha confiança. Se o autor se preocupa com a qualidade do texto, pode-se
supor que seja igualmente rigoroso com tudo o mais. Terceiro e não menos
importante: "estilo acrescenta beleza ao mundo", escreve o canadense.
Para acrescentar beleza ao
mundo, não basta correção gramatical. Os bons autores "escrevem como se
tivessem algo importante para mostrar", afirma Pinker.
Essa motivação ajudará o
escritor a equilibrar objetividade e graça. É certo que textos muito
empetecados são intoleráveis – "é bom que não se note muito o
ofício", recomendava o argentino Jorge Luis Borges –, mas a prosa
clássica não pode se confundir com um parecer técnico.
Ela costuma recompensar a
obsessão pela "palavra justa", a frase exata, o ritmo adequado, a
surpresa planejada, a metáfora precisa.
Norma
Nessa
cruzada para capturar a atenção do leitor, o autor eventualmente pode trombar
com a norma culta. Como muitos linguistas, Pinker é um liberal da gramática e
um ácido crítico da patrulha do idioma. Gosta de lembrar que a língua está
sempre mudando, à revelia do gosto pessoal de cada um.
"Muitas
palavras que foram rejeitadas pelos puristas como abominações, como os verbos
"to contact" e "to finalize", tornaram-se perfeitamente
aceitáveis. Significados também mudam.
Um manual
de escrita tem de refletir o idioma da forma como ele é utilizado atualmente, e
não a língua falada por nossos bisavós."
Mas Pinker também tem seus
caprichos. Por exemplo: no inglês, a terceira pessoa do plural tem gênero
neutro ("they" vale para "eles" e "elas"), mas a
do singular não ("he" para ele, "she", para ela). Citando
estudos sobre a simbologia do "he", o psicólogo defende que se use o
"they" também no singular, para tratar de generalizações que incluam
homens e mulheres. Miudezas desse tipo aparecem no capítulo final do livro.
É a parte do livro que mais se
assemelha aos velhos manuais. Ali, Pinker desce às questões concretas da
gramática inglesa: "which" ou "that", "who" ou
"whom", "less" ou "fewer" etc.
A
discussão pode entediar o leitor brasileiro, mas causou barulho nos círculos de
língua inglesa. Pinker invoca as luzes da ciência e da boa literatura para
rever casos complexos de concordância, regência, pontuação etc.
A New Yorker, a mais estilosa revista americana, não
gostou. Para Nathan Heller, as escolhas de Pinker são frequentemente feitas com
base em razões estéticas, e suas regras podem levar a ambiguidades e
complexidade: "Ele combate pedantismo com mais pedantismo."
Para quem
se bate pela clareza e alega falar em nome da ciência, é uma crítica e tanto.
Treino
Em favor
de Pinker, no entanto, deve-se lembrar que ele tem seu leitor em altíssima
conta, tal como reza o pressuposto do estilo clássico. O psicólogo
argumenta que seguir regras irrefletidamente torna a escrita pior, não melhor.
"Mesmo
as orientações sensatas — como evitar a voz passiva e omitir palavras
desnecessárias — não são tão boas se forem cumpridas roboticamente",
diz. É uma observação que só faz sentido para quem já adquiriu o domínio da
norma – talvez por isso Pinker sublinhe que seu manual é endereçado a
"pessoas pensantes".
Não se
pretende, portanto, encorajar quem não tem noção dos fundamentos da língua a
ignorar a norma em nome do estilo.
"Escrever é e sempre foi
difícil", diz Pinker. Ao contrário da fala, argumenta, a palavra escrita é
uma invenção recente que não deixou marca em nosso DNA. Não é um instinto, mas
uma técnica, que só se aprende com muito treino e o teste de um vastíssimo
repertório de regras, convenções e conselhos, como os de Pinker.
Repetidamente, alguém dirá que
essa técnica está se perdendo. O psicólogo discorda. Gosta de lembrar que
os antigos sumérios já reclamavam da decadência da escrita.
"As pessoas mais velhas
sempre acham que os jovens estão corrompendo a linguagem e pondo abaixo a
civilização. Hoje é a internet.
Não muito tempo atrás, era a
televisão, e antes o rádio, a publicidade impressa e a imprensa. No entanto, cá estamos no século XXI, e não estamos
grunhindo como chimpanzés."
Revista VEJA
online. (Thinkstock).
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