O que
aconteceu com a nova classe média: economista faz diagnóstico do antes e depois
da crise econômica.
Neri,
economista da FGV, criou o termo ‘nova classe média’ e estuda as classes
econômicas há mais de 14 anos
‘A nova classe média está ferida, mas não morta’.
Com essa frase, o economista Marcelo Neri, diretor do Centro de
Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV), começou a entrevista ao
EXTRA em que fez um diagnóstico do que aconteceu com a parcela da população
brasileira que ascendeu da classe D/E para a C, entre os anos de 2003 e 2014.
Ele também explicou o que vem acontecendo com essa parcela da sociedade
desde 2015, quando a crise econômica começou a derrubar uma a uma de suas
principais conquistas, como um efeito-dominó.
O pai da expressão “nova classe média” é realista: acredita que estamos
tão próximos do fundo do poço a ponto de já conseguirmos avistá-lo. Por outro
lado, Neri destaca a resiliência, ou seja, a incrível capacidade desses
brasileiros de lidar com as dificuldades e superá-las.
Mas não arrisca dizer quando a atual crise ficará para trás.
EXTRA: Muitas
famílias perderam ou estão perdendo algumas das conquistas da nova classe
média, como educação privada, plano de saúde, casa própria etc. Esse quadro de
perdas pode ser totalmente atribuído ao desemprego?
O desemprego, talvez, esteja um pouco superdimensionado. Se eu avaliar
as causas da queda de renda, até junho de 2016, que é, basicamente, a queda (o
ápice dela), 74% são efeito da inflação, e 26% são efeito do desemprego.
Obviamente, o desemprego alto diminuiu o poder de barganha. Os
trabalhadores passaram a ter perda real porque, com o desemprego alto, não
conseguem negociar (reajustes salariais com os patrões).
Agora, em agosto, está meio a meio: metade desemprego e metade inflação.
A notícia “boa” é que está piorando menos. Então, eu acho que, talvez, já
estejamos começando a ver o fundo do poço.
EXTRA: Mas,
pelo que você diz no seu livro (“A nova classe média — O lado brilhante da base
da pirâmide”, Editora Saraiva), o principal símbolo da nova classe média foi a
carteira de trabalho, certo?
Exatamente. Aí, a perda foi grande. Antes do surgimento da nova classe
média, eram tiradas de 700 mil a 800 mil carteiras de trabalho por ano. Isso
passou para 1,5 milhão e até 2 milhões. Agora, está em menos 1,5 milhão.
EXTRA: Uma
questão central já levantada por você é até que ponto a nova classe média
poderia impulsionar o crescimento econômico por meio de seu potencial de
consumo. Como os últimos números têm sido negativos, em vários setores, a
resposta para isso seria que ela foi incapaz de gerar renda de forma
sustentável?
Eu acho que não. Houve redução de cinco milhões de postos de trabalho em
2015. Realmente, é uma desgraça a céu aberto. Mas essa nova classe média foi
muito mais sustentável do que as pessoas admitiam.
Agora, chegou o momento de ajustes. Mas, de 2004 até 2014, foram anos crescendo.
Agora, temos tem um ano e meio de queda. Primeiro, há um componente estrutural.
Se eu pegar o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), em que entra não somente
a renda, mas a expectativa de vida e a educação...
Quantos por cento dos municípios do Brasil tinham IDH muito baixo? Eram
41%, em 2000. Em 2010, eram 0,6%. Houve uma mudança estrutural gigantesca. Mas
isso foi muito por conta da história das pessoas.
Foram conquistas pessoais, não foi o Estado fazendo isso. As pessoas
conseguiram porque suaram, tomaram decisões.
Estabilizou-se a economia em 1994, deu-se um horizonte, e as pessoas
começaram a se organizar.
EXTRA: Muita
gente atribui o surgimento dessa nova classe ao crédito, ao aumento de renda, e
não à educação, como nos países em que isso aconteceu de forma sustentável...
Eu discordo. O IDH, que também leva em conta a educação, mostra isso. O
nível de educação no Brasil ainda é baixo, mas o índice melhorou. O principal
motor do Brasil foi o mercado de trabalho.
E, por trás do mercado de trabalho, o combustível foi a educação. Se eu
fizer uma decomposição, o principal componente de expansão dessa nova classe
média foi a educação.
Ela era muito pior do que é. Ela ainda está em um nível insatisfatório,
mas deu um salto.
EXTRA: Quando
você fala em Educação, programas como Prouni, Pronatec e Fies tiveram um grande
peso nessa melhora?
É difícil avaliar isso. Identificamos um salto na escola técnica muito
antes do (surgimento do) Pronatec, que é um pouco dessa parceria público-privada.
De 2003 a 2005, houve um salto nisso. Por quê? Porque o sujeito é
demandado. Ele não tem qualificação, trabalha durante o dia e faz o curso à
noite, com todas as deficiências de ensino, e isso é louvável.
EXTRA: Em
algum outro país houve esse impulso da nova classe média, como no Brasil?
Houve uma nova classe média nos países do Brics (grupo de países
emergentes que reúne Rússia, Índia, China e África do Sul, além do Brasil)?
Houve, mas neles a desigualdade aumentou e muito.
No Brasil, não: foi desigualdade diminuindo enquanto havia crescimento.
O que está por trás disso? Trabalho, educação... São vários fatores. Educação
profissional é um tema interessante porque é assim: quem é pobre tem pouco,
quem é classe C tem mais e quem é classe A tem muito.
O que tem mais no meio do que nas pontas? Educação profissional.
EXTRA: Em
relação a essas famílias que entraram para essa nova classe média e agora
saíram, com uma retomada do emprego, elas podem voltar ao patamar anterior?
Estamos num momento muito difícil de se fazer projeção. Eu fiz projeções
no livro, para daqui a cinco anos, mas não faço mais. O que os dados mostram é
que, talvez, o pior já tenha passado, a não ser que volte a piorar.
O Brasil foi um laboratório a céu aberto, mas aprendemos pouco com isso.
Não sabemos o que deu certo, o que é melhor. O estado brasileiro foi muito
deficiente nesse processo.
EXTRA:
Você destacou, num artigo publicado recentemente, que, de 2006 a 2013, o Brasil
ocupou a posição mais alta no ranking global de felicidade futura, mas declarou
que essa alta expectativa carrega também uma capacidade de frustração das
pessoas. A nova classe média brsaileira, hoje, se sente frustrada em relação a
tudo aquilo que conquistou nos últimos anos e agora perdeu?
Acho que sim. No mundo afora, existe esse problema, mas no Brasil a
questão é bem mais séria. Há uma crise de valores, de expectativas, uma
frustração... Essa nova classe média teve dificuldade de ser enxergada, de ser
entendida...
As empresas até fizeram um esforço, tivemos as políticas públicas, como
o Prouni, o Pronatec, o “Minha casa, minha vida”... Mas o que deu certo? Não
sabemos. Porque o Estado brasileiro consegue passar ao largo das avaliações. O
Estado consegue não ser avaliado no Brasil.
Foto: Agência O Globo
Rafaella
Barros.
Jornal
EXTRA online.
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