Juízes do Supremo
Tribunal Federal (STF) e advogados dos réus discutem nos bastidores da Corte
sobre atenuantes em caso de condenações
“Estou a aguardar, se houver condenação neste
caso, a oportunidade de fixação da pena, quando deverão ser consideradas as
circunstâncias judiciais, e é sabido que elas têm conotação subjetiva muito
grande”
Os votos dos ministros
no julgamento do mensalão ainda são desconhecidos, mas o Supremo Tribunal
Federal (STF) já volta suas atenções para as dificuldades na definição de
futuras penas a serem impostas aos mensaleiros.
O tema ocupa conversas
reservadas dos magistrados e debates entre os advogados dos réus que
protagonizaram o maior escândalo do corrupção do país.
“Estou a aguardar, se
houver condenação neste caso, a oportunidade de fixação da pena, quando deverão
ser consideradas as circunstâncias judiciais, e é sabido que elas têm conotação
subjetiva muito grande”, alertou o ministro Marco Aurélio Mello já no primeiro
dia do julgamento do mensalão.
Ele avalia que o Supremo
terá de reservar sessões exclusivas só para a análise das penas e para tentar
unificar os entendimentos sobre o tamanho da sanção a ser imposta a cada réu.
Bons antecedentes, por exemplo, não devem ser suficientes para livrar os
denunciados de condenação, mas podem abrir espaço para penas menores e, com
isso, confirmar a prescrição de alguns crimes.
Responsável
pela mais árdua defesa entre os mensaleiros, o advogado Marcelo Leonardo, por
exemplo, tenta descontruir as sucessivas imputações contra Marcos Valério de Souza, acusado de formação de quadrilha, corrupção
ativa, peculato, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
Aos
ministros, fez o apelo para que, em caso de condenação, os magistrados levem em
conta o passado do ex-publicitário e estabeleçam penas menores.
"Se, por absurdo,
essa Corte entender que é caso de condenação, solicito a admissão da pena base
porque é preciso reconhecer quem era a pessoa do Marcos Valério". Por ora,
foi o único a fazer simulação pública sobre o tamanho da provável pena.
Provas
Antes
na eventual análise da vida pregressa dos réus, a Corte terá de se debruçar
sobre a legalidade das provas obtidas pela acusação. Os 11 ministros discutirão
se são válidas ou não para a condenação provas colhidas pela Polícia Federal,
pela CPI dos Correios e até pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
Esses
dados embasaram o então procurador-geral da República, Antonio Fernando de
Souza, a oferecer denúncia contra 40 pessoas que ele classificou como
“sofisticada organização criminosa". O chefe da quadrilha, segundo a
denúncia, era o ex-ministro José Dirceu.
No
entanto, os mesmos documentos que serviram como indício de crime são agora
utilizados pelas defesas para afirmar que, sem o direito ao contraditório, não
poderiam fundamentar decisivamente uma eventual condenação. Os advogados
reclamam de cerceamento de defesa.
“Os
ministros terão de rever a discussão sobre a validade das provas, assim como
rediscutiu a possibilidade de desmembramento da ação penal”, diz o ex-ministro
da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que defende o ex-diretor do Banco Rural José
Roberto Salgado.
“Acredito
que mais de 90% das provas usadas pelo procurador-geral têm origem fora dos
autos e não têm contraditório”, arrisca o advogado Luiz Francisco Barbosa,
defensor do deputado cassado Roberto Jefferson.
CPI
Em
agosto de 2007 o plenário da Suprema Corte já havia considerado válidas provas
obtidas fora dos autos do mensalão. “A CPI é um órgão com o mesmo poder do
Judiciário”, afirmou na época o relator Joaquim Barbosa.
A
atual grita dos advogados contra evidências colhidas pela comissão parlamentar
leva em consideração o fato de a obrigatoriedade do contraditório para uma
eventual condenação estar prevista no Código de Processo Penal, reformado em
2008.
Entre
os indícios que fazem parte da acusação, mas que não estariam sob o crivo do
contraditório, estão relatórios do Banco Central e dados sobre os empréstimos
bancários de Marcos Valério.
Internamente,
pelo menos dois ministros que votaram contra a validade das provas em 2007
admitem confirmar a legalidade delas agora. Com isso, a tendência é que
prevaleça a interpretação de que uma CPI, por exemplo, tem poder judicial e que
as conclusões decorrentes dos trabalhos dos parlamentares garantem o
contraditório ao ouvir, ao longo do processo, réus e testemunhas.
Ainda
que improvável, uma eventual anulação dessas provas poderia fragilizar, por
exemplo, as acusações de lavagem de dinheiro e gestão fraudulenta imputadas ao
grupo de Valério e aos executivos do Banco Rural.
De
acordo com a acusação feita por Roberto Gurgel, empréstimos forjados entre o
publicitário mineiro e o Rural abasteceram o esquema de corrupção de
parlamentares no Congresso Nacional.
Ato
de ofício
Há
também o debate sobre a necessidade ou não de se exigir a comprovação de que os
mensaleiros efetivamente venderam seus votos em temas considerados prioritários
para o governo.
As
defesas são unânimes em afirmar que sem o chamado ato de ofício, ou seja, sem a
confirmação de que o corrupto cumpriu sua tarefa, não se configuraria o crime.
“As
acusações de corrupção e tratamento privilegiado na Câmara às empresas de
Valério são fruto de criação mental do acusador e não há prova de nenhum ato de
ofício”, afirma o advogado Marcelo Leonardo.
Em
conversas reservadas, os ministros, no entanto, colocam em dúvida a exigência
do ato de ofício para caracterizar a conduta delituosa.
Prova testemunhal
Prova testemunhal
As
provas testemunhais, extensamente exploradas por defesa e acusação nos cerca de
400 depoimentos colhidos na ação penal do mensalão, também poderão definir o
peso ou a fragilidade de uma denúncia específica no processo e,
consequentemente, amenizar ou potencializar a pena.
Em
geral, a palavra de testemunhas tem o mesmo peso de provas documentais, mas
pode ser relativizada se o testemunho tiver sido motivado por ressentimento ou
desafeto.
A
rivalidade entre Roberto Jefferson e José Dirceu, por exemplo, foi explorada
pela defesa do ex-ministro como forma de desqualificar a denúncia.
O mesmo foi feito pelos defensores do Banco Rural, que atacaram as
informações fornecidas por Carlos Godinho, ex-funcionário do Rural que,
supostamente por ressentimento, atacou a cúpula da instituição financeira.
“No
processo penal, todas as provas têm o mesmo valor, sejam elas testemunhais,
documentais ou periciais. Cabe ao julgador formar sua convicção com base na
análise geral das provas”, afirma o professor de Processo Penal da Pontifícia
Universidade Católica (PUC-SP), Carlos Kauffmann.
Os
advogados evitam fazer projeções sobre quanto tempo o STF terá de se reservar
para debater, ponto a ponto, os anos de cadeia, as multas ou os serviços à
comunidade para cada condenado.
Para o
procurador-geral, a etapa da dosimetria da pena exigirá “um tempo considerável”
de análise da Corte. Ao final, ele espera que 36 dos 38 réus sejam presos
imediatamente, mesmo que ainda caiba recurso para esclarecer eventuais pontos
omissos das sentenças.
Revista VEJA online. Laryssa Borges. Julgamento do mensalão no
STF (Carlos Humberto/SCO/STF).

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