Texto da Reforma da Previdência é repleto de
medidas inconstitucionais, dizem juristas.
SÃO
PAULO -
Proposta em dezembro de 2016, a reforma previdenciária esboçada pelo governo
Temer esbarra na constituição em mais de um ponto, de acordo com a análise de
um grupo de juristas da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil)
especializados na questão.
O
direito mais ferido, conforme dizem representantes desse grupo, é o da
isonomia, à medida que as normas são capazes de excluir parcelas da população.
Parte
da comissão nacional de juízes que acompanham de perto a reforma, o juiz Victor
Roberto Corrêa de Souza, que trabalha exclusivamente com a matéria
previdenciária e já trabalhou como procurador do INSS, disse ao InfoMoney que o
texto da reforma, como apresentado, é "repleto de medidas inconstitucionais",
e explicou o que é considerado mais problemático e que idealmente deveria ser
revisto dentro do documento.
Transição
Segundo
ele, a primeira questão claramente
inconstitucional do
texto da PEC é
aquela que coloca um "pedágio" por corte etário no processo de transição, apresentada pelo governo sem nenhuma exposição
adequada de motivos.
Para o
especialista, aplicar a regra de transição a mulheres a partir dos 45 anos e homens a partir dos 50 que, pelo texto, precisarão cumprir 50% a mais de tempo de
contribuição do
que deviam anteriormente viola
o fundamento do valor social do trabalho.
O
governo possivelmente já aceita este termo em específico como uma medida
reprovada, de acordo com Victor, que ajudou a construir uma proposta
alternativa para a regra transitória.
Na
nossa proposta, a regra avalia positivamente o tempo que a pessoa tem de
trabalho, usando como base para o pedágio o tempo que falta para pessoa se
aposentar, e não a idade que ela tem, explica.
Esse
formato, disse o jurista, foi o adotado em todos os outros países que
realizaram reformas semelhantes e é uma maneira de não violar a proteção da
confiança depositada nos autos da constituição e dos direitos adquiridos.
Se eu
tenho um ordenamento que me dá o direito a me aposentar da forma como está a regra atual, eu tenho esse direito
e pronto. O Parlamento não pode
agir como se não houvesse uma legislação em vigor, destaca.
No dia
22 de fevereiro, o deputado Paulinho da Força protocolou uma proposta de emenda
à reforma onde é prevista uma regra de transição que usa esse critério de tempo
restante de contribuição.
O pedágio para
quem já está contribuindo para a Previdência seria, conforme proposto pelo
documento assinado por 300 deputados, de 30% do tempo restante para a
aposentadoria, sem levar em conta a idade.
Mesma idade para homens e mulheres
Outra
inconsistência apontada por Victor é a equiparação de idade para homens e
mulheres se aposentarem, novamente sem que tenha sido apresentado um motivo
técnico para tal.
Pelo
texto da reforma apresentado em dezembro, homens e mulheres deverão esperar até
completarem 65 anos para solicitar a aposentadoria.
Na
primeira quinzena de fevereiro, o relator da reforma da previdência na Câmara,
deputado Arthur Maia, defendeu que mulheres tivessem um regime diferenciado de
contribuição apenas quando casadas e mães.
Isso,
para Victor, segue não fazendo sentido. As mulheres ainda ganham menos que os homens, cerca de 80% do valor para
os mesmos cargos, então a
regra deveria levar isso em conta, argumenta o jurista, e não o estado civil.
Se o
governo quer igualar a idade pela perspectiva de igualdade salarial, ele sugere
que a equiparação de idades também deveria ser aplicada paulatinamente. Uma medida provisória para uma mudança tão grande não dá tempo de a população se organizar para essas mudanças.
O
trabalhador precisa desse tempo para se organizar para trabalhar muito mais, alerta o especialista.
Na proposta de emenda protocolada
pelo deputado Paulinho em fevereiro, as idades permanecem diferentes 60 anos para homens e 58 para
mulheres.
Benefício total
A PEC
do governo Temer prevê que o cidadão com 65 anos que se aposente receberá 50%
da média das contribuições acrescidos de 1% para cada ano trabalhado além.
Isso,
de acordo com Victor, também fere o princípio da isonomia, principalmente
quando se leva em conta a idade em que a população começa a trabalhar, sem
contribuir, em zonas rurais ou nas camadas mais pobres.
Essa
regra prevê que pessoas com mais idade, mas com menos tempo de contribuição
terão direito a remuneração maior, diz Victor. Isso é uma inconstitucionalidade chapada,
ou seja, notória e clara.
Papel social e ilegitimidade
Essa
reforma, na nossa visão, é uma reforma do papel do estado perante a população, disse ele em entrevista. A seguridade social também existe para proteger as pessoas que
não
contribuem,
relembra, à
medida que o dinheiro é usado
em ações
sociais.
Para
ele, gastar menos com a Previdência sem indicar como esse dinheiro será
revertido à população significa enriquecimento sem causa do Estado.
"O Estado não tem a prerrogativa de enriquecer sem algum motivo. Uma boa
reforma da previdência traria gestão de volta pro Ministério da Previdência e
organizaria esses gastos", dispara.
Dado
este fato, ele conclui, o governo tinha a obrigação de abrir a matéria da
previdência à discussão para a população, a qual, por sua vez, se movimentaria
para alimentar ativamente essa discussão.
A reforma não é clara e tem deslealdades de técnicas regulatórias, dispara. Apresentar
uma emenda constitucional neste caso, sem apresentar mudanças diretas à legislação previdenciária, criará diversos vácuos legislativos, que podem causar
confusão no
momento do pagamento de benefícios, explica.
O ideal, então, seria apresentar projetos de mudanças na legislação geral, incluindo as carreiras que
ficaram de fora da PEC
notoriamente, os militares.
E le
vai além ao afirmar que, sem diálogo, a reforma torna-se ilegítima e passa a
impressão de caos a população. "O Congresso nacional precisa ficar atento
às suas bases politicas e levar essa discussão para essas bases políticas.
A agenda não pode ser imposta, mas
sim inclusiva e participativa", diz. "Caso contrário, haverá sem
dúvida uma fragmentação social".
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Brasil.
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