O desafio do câmbio
Paulo Daniel
Pode-se conceituar taxa de câmbio como o preço, em moeda nacional, de uma unidade de moeda estrangeira. Entretanto, o nível dessa taxa pode ser determinado ou pelas forças de mercado – pelo confronto entre oferta de divisas e demanda por elas – ou a partir da interferência do governo no mercado cambial, fixando a taxa.
No regime de câmbio flutuante, a taxa de câmbio oscila livremente para garantir o equilíbrio do mercado, isto é, o equilíbrio entre a oferta e demanda de moeda estrangeira. Nesse regime, a oferta é determinada pelos exportadores e pelos demais residentes que recebem renda e outros recursos de não residentes. Já a demanda é exercida pelos importadores e pelos residentes que transferem renda e demais recursos para o resto do mundo.
Quando o regime de câmbio flutuante entrou em vigor no Brasil, no dia 16 de janeiro de 1999, a economia brasileira já possuía um grau relativamente elevado de abertura financeira (o qual viabilizou a absorção dos recursos externos necessários para o financiamento do deficit em transações correntes durante o período de vigência do regime de bandas cambiais).
Praticamente um ano depois, em 26 de janeiro de 2000, foi adotada uma medida decisiva, que ampliou significativamente esse grau. A Resolução nº 2.689 flexibilizou as aplicações dos investidores estrangeiros nos mercados de ações e títulos de renda fixa, bem como permitiu o seu acesso, sem restrições, ao mercado de derivativos financeiros domésticos.
Até então, esse acesso era limitado às operações de hedge das posições desses investidores nos mercados à vista em ações e renda fixa. Além do que, outras duas medidas adicionais ampliaram ainda mais a integração financeira do país com o exterior. Em primeiro lugar, a unificação dos mercados de câmbio livre e flutuante e a extinção da Conta de Não-residentes (CC5) em março de 2005, que eliminou os limites para que pessoas físicas e jurídicas convertam reais em dólares e os remetam ao exterior.
Em segundo lugar, a MP (Medida Provisória) 281, de 15/02/2006, isentou de Imposto de Renda as aplicações de investidores estrangeiros em títulos públicos e em fundos de capital de risco, bem como de CPMF os investidores estrangeiros e nacionais nas emissões primárias de ações e no aumento de capital de empresas (em 2003, o governo já tinha reduzido o IR incidente sobre as negociações dos investidores estrangeiros nos mercados secundários de ações – de 25% para 15% – e as isentado de CPMF; as mesmas medidas foram estendidas posteriormente aos nacionais).
O grau elevado de abertura financeira e, especialmente, o acesso dos investidores globais ao mercado organizado de derivativos financeiros intensifica os impactos das fases de abundância ou escassez de fluxos de capitais sobre os preços-chave do país e, especialmente sobre a taxa de câmbio, que se torna a principal correia de transmissão da volatilidade dos fluxos de capitais sobre os mercados financeiros e a economia real; mas também reforçam a interação entre as políticas cambial, monetária e fiscal e reduzem seus respectivos raios de manobra.
Nesse contexto, a gestão do regime de câmbio flutuante torna-se subordinada, em grande parte, às decisões de alocação de riqueza dos investidores globais. Todavia, a interação entre os condicionantes externo (ciclo de liquidez internacional) e interno estrutural (grau de abertura financeira) teve distintas implicações para essa gestão nas fases de “pessimismo” e “otimismo” do ciclo.
A política cambial deparou-se com diferentes desafios e graus de liberdade em função, em grande parte, da situação do balanço de pagamentos e de vulnerabilidade externa da economia brasileira – que podem ser considerados seus principais condicionantes macroeconômicos internos.
Entretanto, principalmente a partir de junho de 2009, a moeda brasileira intensifica a sua valorização perante o equivalente geral mundial, o dólar, pelas razões acima elencadas e, também, pela alta liquidez da moeda norte-americana no mercado nacional e internacional devido o socorro ao mercado financeiro mundial, por conta da crise financeira mundial.
No caso brasileiro, o que se pode fazer para diminuir a desvalorização do dólar no mercado brasileiro? É fato que temos variáveis que não estão sob nosso controle, mas ao mesmo tempo, o governo brasileiro pode e deve utilizar medidas que no mínimo proteja a nossa moeda. Não teria total certeza em afirmar que vivemos em uma “guerra cambial”, mas a disputa entre China e EUA é velada muito antes da crise mundial, uma vez que, o primeiro financia os gastos do segundo.
Segundo, se entrarmos nessa guerra, com certeza não sairemos vitoriosos, pois grande parte de nossas reservas estão lastreadas em portfólio (ações, títulos públicos, renda fixa etc. – para isso, basta observar os relatórios mensais do Banco Central do Brasil do balanço de pagamentos), como no Brasil há livre mobilidade de capitais, a tendência seria essas reservas exaurirem rapidamente. Ocasionando uma abrupta desvalorização cambial, o que não seria interessante para os preços internos.
Terceiro, deve-se manter a flutuação suja do câmbio (com interferência do Banco central) e adotar medidas, para além do IOF, que protejam nossas reservas e nossa moeda, como por exemplo, a quarentena de capitais adotado no Chile entre 1991 e 1998, redução imediata da taxa de juros e a cobrança de pelo menos 15% de imposto de renda sobre capitais externos que atualmente são isentos.
É importante destacar que, caso essas medidas sejam tomadas, serão muito mais para proteger nossa moeda e nossas reservas internacionais do capital financeiro especulativo do que necessariamente a desvalorização cambial, haja vista, a abundância de dólares no mundo.
[Publicado orginalmente no blog Além de Economia]
Paulo Daniel
Paulo Daniel, economista, mestre em economia política pela PUC-SP, professor de economia e editor do Blog Além de economia.
Membro da Revista CARTACAPITAL. Foto montagem criada pelo tudaodemarica.blogspot.com
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