“MINHA CARREIRA É IRREGULAR COMO O POVO BRASILEIRO”.
Foi Assim (bolero), Xamego (forró), Nuvem de Lágrimas (sertanejo), Chorando se foi (lambada) Vermelho (boi-bumbá), Nem às paredes confesso (fado). Todas essas músicas e ritmos – e algum outros mais - foram gravados por Fafá de Belém nos seus 35 anos de carreira.
Eclética? Popular? Fafá prefere dizer que canta aquilo que lhe dá emoção. “Minha carreira não é linear, é irregular como o povo brasileiro, mas muito apaixonada”, diz, em entrevista a ÉPOCA.
Com 24 discos gravados, a cantora – que nos anos 80 ficou conhecida como a voz das Diretas já – faz segredo sobre seu próximo projeto, que deve ser lançando no final deste ano.
Enquanto isso, segue se apresentando com três shows diferentes: Voz e Piano, Tanto Mar (com músicas de Chico Buarque) e Fafá – Grandes Sucessos. No mês de abril, a cantora dá lugar à atriz na encenação da Paixão de Cristo, na cidade Nova Jerusalém, em Pernambuco.
Fafá será Maria, mãe de Jesus. “Ficamos quinze dias isolados, mas é muito gratificante”, diz Fafá.
No bate-papo com ÉPOCA, a cantora também fala sobre a vontade de ser psicóloga, conta como lida com as críticas e diz que quer levar sua marca para as novas gerações. “Meu nome é muito forte”, diz.
A música
"Eu nunca quis ser cantora. Eu nunca pensei na música como uma profissão. Eu queria ser psicóloga e continuar cantando, coisa que eu faço desde os nove anos de idade.
Embora não pareça, eu sou uma pessoa tímida. Sempre gostei de preservar a minha privacidade, desde criança eu sempre fui assim. E a música me ajudava a me expressar melhor, a falar coisas que eu não sabia como.
Ela me colocou em contato com um mundo mais interessante do que aquele de brincar de boneca, montar casinha, fazer castelinho..."
Os 35 anos de carreira
"Quando eu fui convidada para gravar meu primeiro disco, demorei dois anos para dar uma resposta. Meu primeiro disco foi bem. Meu segundo trabalho foi melhor ainda.
Em 1978, eu fui recordista de capas de revistas e de jornais. Mas eu só fui saber disso recentemente. Naquela época, eu não tinha muita noção do que era o sucesso. Não havia tantas assessorias, era gravadora e empresário, apenas.
Então, datas como 10 anos de carreira, 20 anos de carreira acabaram passando em branco. Quando completei 25 anos de atividade, eu fiz um disco chamado “Maria de Fátima Palha de Figueiredo”, que é um dos trabalhos mais importantes da minha vida.
A idéia de fazer esse trabalho nasceu quando eu fui assistir a um show da Dulce Pontes, em Sevilha, ela estava acompanhada de uma orquestra sinfônica.
O “Maria de Fátima” é uma saudação à canção, que foi o que me fez cantar. Aí veio aquela expectativa para os 30 anos. Me falaram que eu precisava fazer um DVD com o melhor da minha carreira. Eu sempre achei essa coisa de “o melhor de” horrível! Então, decidi fazer outro trabalho dedicado à canção e escolhi um dos autores mais populares do país, que está no coração de todos: Chico Buarque. Todas as gravadoras me disseram não.
Falaram que uma cantora popular como eu não poderia cantar Chico, que ele era muito sofisticado para minha voz. Mas fiz e foi um sucesso. Para os 35 anos, eu não preparei nada. Com tantos compromissos, não parei para pensar. Mas até o final do ano, tem algum projeto novo. Só não posso contar ainda o que é..."
Vida de artista
"No começo da carreira, eu lançava um disco e percorria o Brasil todo. Ia para Manaus e vinha descendo o país todo dando entrevistas, visitando as rádios.
Era um trabalho de corpo a corpo. Eu adoro fazer isso, até hoje faço, sempre que possível. Mas de um tempo para cá, percebi que precisava de uma assessoria. Foi difícil escolher uma, eu sou muita exigente.
Queriam me reinventar, e isso não dá. Mas estou feliz em ter contato com esse lado mais moderno que é o das assessorias, que trabalham o marketing, a imagem e o contato com a imprensa.
Nesse momento, o que eu quero é agregar valor à marca Fafá de Belém, que é forte. Meu nome é forte. Eu estou fora da mídia óbvia, de fazer Faustão todo domingo, por exemplo, há dez anos. Mas, mesmo assim, eu continuo a ter o mesmo tipo de assédio. Eu sou muito popular, muito normal. E quero me conectar e me comunicar com uma nova geração."
O repertório eclético
"Gravo aquilo que me emociona que me toca de alguma maneira. O “Vermelho”, por exemplo, eu conheci em Parintins e o levei para o Brasil todo, e depois para a Europa. A música virou tema da torcida do Benfica, em Portugal.
Quando eu escutei “Vermelho” na arena de Parintins, eu já estava com um disco fechado. Mas fiquei tão emocionada, achei aquilo tão forte, que tirei uma música do disco para colocá-lo. Eu sou uma cantora brasileira e, antes disso, uma mulher brasileira, no seu biotipo, na sua força de trabalhar, de criar seus filhos de maneira honesta. E isso me leva para diversos caminhos.
O Brasil tem várias caras, a emoção tem várias caras. Minha mãe ouvia os grandes cantores, como Angela Maria, Nubya Lafayate, Cauby Peixoto.
Meu pai ouvia as big bands americanas. Fui criada nesse meio, ouvindo Angela, Maysa, Elizeth Cardoso, Ella Fitzgerald, Miles Davis, sem falar nos Beatles, que eu ouvia com meu irmão, e dos ritmos que chegavam ao Pará, como o carimbó, o merengue, a lambada. Minha carreira não é linear, é irregular como o povo brasileiro, mas muito apaixonada.
E acho que ainda há muito para percorrer, muita gente nova a ser descoberta, músicas antigas para serem redescobertas."
O sucesso
"Eu com 19 anos já era a rainha do Brasil. Com 20, eu era recordista de vendas. Fazia os programas de TV, mas andava de ônibus. Andava a pé pelo Rio de Janeiro. Nunca fui deslumbrada. Minha ligação era com os músicos, com a música.
Mas uma hora a coisa bate. Em 1979, eu estava fazendo um show “batendo pino”, cansada, sem estrutura, uma verdadeira maratona. Eu tive que parar o espetáculo no meio da temporada. De um dia para o outro, das 40 pessoas que me adulavam, só cinco não me abandonaram.
Levei a primeira grande porrada da vida. Caíram de pau em mim. Eu era uma criança. Não tinha vinte anos de Rio ou de São Paulo, eu tinha vindo de Belém do Pará, entende? Dei a volta por cima. Virei “musa das Direitas Já”, escolhida pelo povo.
Por conta disso, fiquei dois anos sem trabalhar, bloqueada pela “direitona”, por setores da esquerda e até mesmo por colegas de trabalho que queriam o meu posto. Minha vida nunca foi fácil. Por isso o mote da fé foi fundamental, senão eu teria negociado minha alma com o Diabo. E isso eu me orgulho de não ter feito."
As críticas
"Quando eu saí das Diretas e decidi fazer um disco com autores populares, fui execrada. Falaram que eu tinha me vendido. Minha resposta foi vender 600, 700 mil cópias.
Acho que algumas críticas podem ser ouvidas, são construtivas, outras são recalques ou acontecem porque você vai contra aos anseios que as pessoas têm sobre você, das fantasias delas de como você deveria ser.
Isso é muito complicado e perigoso. No começo eu sofria, mas depois passei a encarar tudo isso com mais naturalidade.
Revista ÉPOCA. Foto: Felipe O'Neill / Ag. O Dia
Nenhum comentário:
Postar um comentário