Morar sozinha tem muitas vantagens. Você pode ouvir música na madrugada sem incomodar ninguém, ficar quieta no seu canto quando está triste, convidar amigos quando dá vontade, andar de calcinha e camiseta sem constrangimentos.
Mas de vez em quando, não ter ninguém pra pedir ajuda pode ser péssimo. Pra começar, existe sempre o risco de ficar presa no banheiro. Sim, é possível e aconteceu com a minha irmã. Ela foi tomar banho às 10h da manhã, trancou a porta por hábito e a fechadura quebrou.
Ela tentou gritar, jogar pela janela bilhetes de socorro (escritos com batom no papel higiênico!), arrombar a porta com o alicate de unha, mas nada adiantou. Por sorte, fui visitá-la naquela noite. Assim que girei a maçaneta ouvi um berro “to presa no banheiro e morrendo de fome!”.
O ponto positivo é que ela usou as quase doze horas de “solitária” para fazer as unhas, tomar banho de banheira, tirar a sobrancelha, e quando saiu de seu cativeiro, estava um arraso!
Depois dessa história, sempre levo o celular para o banheiro comigo. Mas percebi recentemente um outro problema de morar sozinha: e quando a gente se machuca?
Aconteceu na semana passada. Acordei, coloquei roupas na máquina de lavar e constatei que as gérberas do vaso da sala estavam mortas. Joguei as flores fora e fui lavar o vaso.
Uma folha que grudou no fundo me fez forçar a mão pela boca estreita da peça, e o resultado é meio óbvio. O troço explodiu na minha mão e fez um corte perto do pulso, na lateral do antebraço. Começou a sangrar. Muito. Estanquei com um pano de prato, sentei meio tonta no banquinho da cozinha e pensei “e agora?”.
Gritar “mãeeee” não ajudaria em nada já que ela mora em outro bairro. O namorado estava na casa dele. A decisão precisava ser minha. Vou ao hospital ou trato isso aqui mesmo?
Espiei sob o pano de prato sujo de sangue. O corte não parecia fundo, mas era longo. A pele em volta estava solta, e ainda sangrava.
Meu primeiro impulso seria correr pro pronto-socorro. Mas como sei que sou exagerada, fiquei com vergonha de chegar lá e algum médico rir de mim e falar “coloca um band-aid”. Não conseguia pensar com clareza, talvez pelo sangue ou então pelo sono. Decidi fazer café, com uma mão só.
Enquanto tomava o café e comia um pedaço de bolo de cenoura que a Letícia me deu (oun), ponderei novamente. “O que eu faço?”, perguntei pro meu cachorro. Ele ficou em pé sobre as patas traseiras e por um momento achei que ele espiaria o corte ou algo assim.
Mas o safado só queria tentar alcançar o bolo. Alguns border collies são capazes de farejar o câncer em pessoas que ainda não foram diagnosticadas, e o meu não sabia nem avaliar um ferimento. Humpf…
Peguei o celular. “Ta acordada?”, perguntei via SMS pra minha melhor amiga, que até pouco tempo atrás morava comigo e agora divide teto com o namorado.
“Meio zumbi, mas fala”, ela respondeu.
“Me cortei e não sei se precisa levar ponto. Posso te mandar a foto pra você opinar?”
“Claro. Você que fez ou se cortou sem querer?”, quis saber a amiga. A gente sabe o que os amigos pensam a nosso respeito quando escuta perguntas como essa. Contei o que aconteceu e ela justificou:
“Ah, mutilação ta usando desde as declarações da Angelina Jolie, e Cisne Negro reforçou. É tipo uma pergunta de triagem”.
Muitas mensagens depois, decidimos que eu não iria ao hospital. Mas ai eu pedi a opinião do zelador do meu prédio (que também é um bom amigo) e ele decidiu: pronto-socorro. No final não precisei de pontos, apenas de um curativo grandão.
Essa história toda me fez pensar na falsa solidão de morar sozinha. A princípio parece que não podemos contar com ninguém, mas basta um pouco de sangue pra ver que temos uma rede de apoio, firme e forte, mesmo que não sob o mesmo teto.
E você, já passou por algo parecido? Conseguiu se virar sozinha ou pediu ajuda para amigos? Deixe um comentário!
Margarida Telles é repórter de ÉPOCA em São Paulo.
Revista ÉPOCA online. Margarida Telles

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