Ex-ministra do Meio Ambiente, Marina se recusa a dizer que disputará a Presidência em 2014, mas continua a afirmar: "É possível fazer política de uma nova forma"
"Em menos de uma década, o Brasil conseguiu algo inédito: reduzir a pobreza, aumentar a produção e diminuir o desmatamento. O problema é que agora o governo parece estar fazendo o possível para voltar atrás".
Marina Silva está muito animada. Nesta quarta-feira, recebeu a notícia de que o Relatório de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) deste ano incluiu os indicadores ambientais entre os fatores determinantes para a medição do (IDH) índice de desenvolvimento humano. No próximo sábado, 12 de novembro, a ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente de Luiz Inácio Lula da Silva estará em São Paulo para o lançamento da base estadual de sua mais recente paixão: o Movimento por uma Nova Política, um grupo suprapartidário de pessoas que compartilham ideias e princípios – e que tem como base a sustentabilidade e a possibilidade de se fazer política de uma forma diferente, duas bandeiras levantadas por Marina nas eleições presidenciais de 2010.
Ela garante que ainda não sabe quais candidatos apoiará em 2012, recusa-se a admitir que tentará a Presidência em 2014 e não arrisca previsões sobre a criação de um novo partido. "Não se cria um partido por causa de eleição", enfatiza.
"Eleição é apenas um dos aspectos da política, que deveria ser exercida, inclusive com mais intensidade, nos intervalos entre os pleitos". A seguir, os principais trechos da entrevista:
Qual a importância da inclusão, em 2011, dos indicadores ambientais no Relatório de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento?
É algo muito positivo. Não podemos medir a qualidade de vida e de desenvolvimento humano sem levar em consideração a questão ambiental: a perda de áreas produtivas pela desertificação, o degelo das calotas polares, o aumento da incidência de doenças, a diminuição da biodiversidade – responsável por 50% do PIB dos países em desenvolvimento.
Se não houver a inclusão dos indicadores ambientais, não está se medindo qualidade de vida. Será a medição de uma espécie de bolha de melhorias.
Se os indicadores ambientais fossem incluídos entre os que determinam o Índice de Desenvolvimento Humano (saúde, educação e renda), a senhora acha que o Brasil ocuparia uma posição melhor no ranking do IDH?
Não tenho critérios técnicos para afirmar isso, mas um país que tem 60% de sua área coberta por florestas, como é o nosso, com certeza tem suas vantagens. Por outro lado, incluir os indicadores ambientais na avaliação da qualidade de vida significa lutar para preservar ainda mais o meio ambiente.
Se a legislação que protege a floresta for alterada, se não houver incentivos para a preservação da biodiversidade e se essa proteção não puder gerar qualidade de vida também em termos econômicos, não haverá benefícios para o Brasil.
Os países de renda média e alta têm um papel muito importante em redirecionar a dinâmica de desenvolvimento para que a melhoria da qualidade de vida seja alcançada sem prejuízo à preservação das bases ambientais do desenvolvimento.
O que o Brasil deve fazer para continuar crescendo sem prejuízos ao meio ambiente? Penso que é necessário uma mudança de foco. Não é o crescimento pelo crescimento, o crescimento a qualquer custo, o desenvolvimento pelo desenvolvimento.
Colocar como prioridade o desenvolvimento sustentável é o primeiro passo. É impossível imaginar a humanidade crescendo e se desenvolvendo na mesma proporção de agora sem que isso nos leve ao colapso dos recursos naturais.
Estudos mostram que, se estendêssemos a todos os países do mundo a qualidade de vida que existe hoje no Japão, nos Estados Unidos e na Europa, precisaríamos de cinco planetas Terra. Se esse modelo não pode ser universalizado, também não pode ser radicalmente defendido.
Se os recursos naturais são finitos, temos que nos esforçar para que não percamos os ganhos conquistados até agora e para que possamos levar esses ganhos para as populações que ainda não os alcançaram. É uma questão de amadurecimento sustentável.
O relatório elogia as medidas adotadas pelo Brasil no combate ao desmatamento na Floresta Amazônica. Houve uma queda realmente significativa no desmatamento? Em 2001, o desmatamento era de cerca de 18 mil quilômetros quadrados. Em 2003, foi para 22 mil. Em 2004, atingimos a marca de 27 mil quilômetros quadrados, o segundo maior da história. Desde março de 2004, com a implantação do plano de combate ao desmatamento, houve uma queda de 80%.
O plano tinha três diretrizes: combate às práticas ilegais, apoio às atividades produtivas sustentáveis e ordenamento territorial. O combate às práticas ilegais, com as operações da Polícia Federal, foi o que realmente saiu do papel e trouxe bons resultados.
Em menos de uma década, o Brasil conseguiu algo inédito: reduzir a pobreza, aumentar a produção e diminuir o desmatamento. O problema é que agora o governo parece estar fazendo o possível para voltar atrás.
O brasileiro tem consciência da importância de se preservar o meio ambiente? Em todas as pesquisas, nacionais e internacionais, o brasileiro é apontado como um dos povos com maior sensibilidade para a questão das mudanças climáticas, da biodiversidade e da preservação das florestas.
Isso ficou comprovado nas últimas eleições: uma pessoa como eu, identificada como ambientalista e taxada como um entrave ao desenvolvimento, conseguiu quase 20 milhões de votos. A questão ambiental está entre as prioridades da população, mas vai depender dos governos e das empresas transformar essa sensibilidade em algo que realmente signifique uma mudança de atitude.
A senhora decidiu quais candidatos apoiará em 2012?
No momento estou me dedicando à consolidação do Movimento por uma Nova Política, um grupo suprapartidário que reúne pessoas que compartilham ideias e acreditam nos mesmos princípios. Com relação às eleições, o que sabemos é que não teremos uma atitude afobada e puramente eleitoreira.
A não ser nomes que historicamente tenham o nosso apoio, como o de Ricardo Young, candidato a vereador, o movimento ainda vai avaliar quais são as candidaturas que se alinham com os princípios da sustentabilidade e da formação dessa nova forma de se fazer política. Como estou sem partido, posso tranquilamente declarar meu apoio de maneira suprapartidária.
Está em curso a criação de um novo partido?
Não há articulação nesse momento. Não se cria um partido por causa de eleição, seja em 2012, ou em 2014. Partido se cria quando existe um projeto, uma visão política e princípios comuns.
Eleição é apenas um dos aspectos da política, que deveria ser exercida, inclusive com mais intensidade, nos intervalos entre os pleitos. É neste momento em se adensam as propostas e os compromissos.
No futuro, se parte desse movimento que criamos tiver densidade e profundidade para virar um partido, as pessoas que quiserem poderão até fazê-lo. Será interessante, porque inverterá uma lógica bastante comum hoje: em vez de um partido vampirizando os movimentos, será um partido fortalecendo as causas de um movimento: sustentabilidade e ética na política.
Quais são as expectativas para 2014?
A senhora será candidata novamente? Quando saí candidata em 2010, foi totalmente inesperado. Dei uma contribuição que considero importante e necessária para aquele momento histórico da vida do país. Agora, estou me dedicando à consolidação das propostas que defendi, que são a da sustentabilidade e de uma nova forma de se fazer política.
Em 2014, caso esse desafio apareça novamente, peço a Deus que me dê coragem para decidir de acordo com o que for melhor para o país. Mas não vou ficar refém de uma decisão. Não quero ficar administrando o sucesso como se aqueles 20 milhões de votos fossem meus. Não são.
São do eleitor. Por isso, são um legado que pode ser apropriados pelo governo, para compreender que a questão da sustentabilidade é uma prioridade; pelo movimento ambientalista, para que comecem a entender que sua força é bem maior do que a que lhe é atribuída – como se fossem apenas meia dúzia de ecochatos; e um legado para que todos nós tenhamos consciência de que podemos ressignificar a experiência política.
O que temos hoje no Brasil são projetos de poder pelo poder. Como diz Fernando Henrique Cardoso, existe uma disputa para ver quem vai liderar o atraso. Devemos fazer um esforço para perceber quem são aqueles que se dispõem, em todos os setores da sociedade, a construir os avanços. É preciso que o estado seja novamente um espaço público, do interesse público, e não uma instituição privatizada por partidos.
Revista VEJA online. Branca Nunes. Senadora Marina Silva durante entrevista em 2009 ( Sérgio Lima/Folha Imagem)
Nenhum comentário:
Postar um comentário