"A Realidade
Oculta", de Brian Greene, conta como algumas fórmulas matemáticas, que
sempre foram confiáveis para prever inúmeros fenômenos, apontam para a
existência de realidades paralelas
Uma das hipóteses de
universos paralelos supõe vários Big Bangs ocorrendo paralelamente. Nosso
universo seria uma das esferas exibidas na imagem acima, completamente alheio
ao desenvolvimento dos outros universos.
Neste exato momento, em
algum lugar inimaginavelmente distante, há uma réplica exata, segundo a
segundo, do que está acontecendo agora: um outro você, usuário de um outro e
idêntico site de VEJA, fazendo a leitura da mesma matéria que fala sobre
universos paralelos.
Não é script de filme de
ficção científica. É uma possibilidade matemática. Apesar de ainda ser uma área
controversa, alvo de muitas especulações, a discussão sobre universos paralelos
gradativamente deixa o reino da fantasia para ganhar o respeito da
ciência.
A REALIDADE OCULTA
Brian Greene — um dos
maiores especialistas mundiais em cosmologia e física de partículas — expõe o
fantástico desenvolvimento da física do multiverso ao longo das últimas
décadas.
O autor de O universo elegante, passa em revista as diferentes
teorias sobre os universos paralelos a partir dos fundamentos da relatividade e
da mecânica quântica. Por meio de uma linguagem acessível e valendo-se de
numerosas figuras explicativas, Greene orienta o leitor pelos labirintos da realidade
mais profunda da matéria e do pensamento.
Autor: GREENE, BRIAN
Editora: CIA DAS LETRAS.
Autor: GREENE, BRIAN
Editora: CIA DAS LETRAS.
O
assunto é o tema de A Realidade Oculta(Cia
das Letras, 59 reais, 456 páginas), do americano Brian Greene, lançado
recentemente no Brasil. Nele, um dos maiores especialistas em cosmologia e
física de partículas usa e abusa de metáforas (como um banho de bolhas de sabão
ou um pão de forma cósmico) para explicar como algumas fórmulas matemáticas,
que são confiáveis para prever alguns fenômenos bastante conhecidos pela
ciência, revelam a existência de outros universos.
Em
entrevista ao site de VEJA, Greene admite: pode ser que os cientistas nunca
encontrem evidências experimentais de universos paralelos. Contudo, não é a
primeira vez que a matemática aponta para um caminho aparentemente absurdo, que
vai contra a intuição dos seres humanos. As fórmulas de Albert Einstein, por
exemplo, previram no início do século XX que o universo estava em expansão
(contrariando os cálculos da época) e que buracos negros existiam. Ambas as
ideias foram tratadas com o costumeiro ceticismo da comunidade científica.
No entanto, hoje já está demonstrado que o universo está, sim, expandindo e
que os buracos negros realmente existem.
Lark
Elliot
Brian Greene: "Vale a pena tentar descobrir se
os universos paralelos existem".
É com essas ressalvas que Greene conduz o
leitor pelo controverso, espinhoso e intrigante mundo dos universos
paralelos. Com linguagem bastante amigável, o físico utiliza metáforas simples
e familiares (como um "pão de forma cósmico" ou um "banho de
bolhas de sabão") para descrever as principais ideias sobre universos
paralelos.
A Realidade Oculta é uma obra para leigos, mas também atende aos
especialistas, uma vez que Greene recheou o livro de notas, cálculos e relatos
tecnicamente detalhados sobre a matemática por trás dos universos paralelos.
"Se extraterrestres aparecessem amanhã e
pedissem para conhecer as capacidades da mente humana, não poderíamos fazer
nada melhor que lhes oferecer um exemplar deste livro", elogiou o
jornal The New York Times.
Na entrevista abaixo,
Greene explica como é possível que outros universos idênticos ou completamente
diferentes do nosso possam existir e o que os cientistas estão fazendo para
encontrá-los e, quem sabe, enviar um 'alô' para essa nova e ainda oculta
realidade.
O
que é um universo paralelo?
Há
algum tempo a palavra universo significava tudo o que existe. Contudo,
descobrimos nas últimas décadas que o que pensávamos que era esse todo, na
verdade, pode ser uma pequena parte de uma realidade maior, um cosmo maior.
O
reino que pensávamos ser ‘tudo’ seria apenas um de vários reinos, cada um deles
podendo ser considerado um universo em si mesmo.
O
livro descreve nove versões diferentes de universos paralelos que surgiram a
partir de investigação matemática. Elas representam as principais linhas de
pensamento em relação à existência de mais universos além do nosso.
O
que sua intuição diz a respeito dessas teorias?
Se
existe uma lição que a física nos ensinou no último século é não acreditar na
intuição. Se os homens e mulheres que desenvolveram a mecânica quântica nos
anos 1920 e 1930 tivessem seguido a intuição, não teriam saído do lugar.
Eles
publicaram estudos dizendo claramente que os resultados alcançados eram
'loucura'. Nossa experiência é baseada naquilo que conseguimos ver, tocar e
sentir. Entender o funcionamento de elétrons ou investigar a existência de
outros universos não nos dá vantagem de sobrevivência. É por isso que a nossa
intuição não nos ajuda nesses casos.
A
ideia de múltiplos universos é muito controversa. Alguns cientistas pensam que
é loucura. O fato é que eles podem estar certos. Não escondo isso. Contudo,
para mim, há muito rigor nos cálculos matemáticos e muitas evidências para os
pontos matemáticos de partida que fazem valer a pena perseguir essa ideia e ver
o que acontece.
Quase lá
Algumas propostas de universos
paralelos podem ser verificadas indiretamente com experimentos já em andamento.
Uma delas é o "pão de forma cósmico", ideia construída a partir da
Teoria de Cordas. Nela, as partículas do campo gravitacional
– que por enquanto só existem na teoria – seriam capazes de viajar
entre universos.
O experimento para
verificar se isso é verdade está nos planos do LHC, o maior colisor de
partículas do mundo. Os cientistas também lançaram alguns satélites, como o
Planck em 2009, para analisar a radiação cósmica de fundo, uma espécie de
energia fóssil que restou do Big Bang.
Os dados dessas sondas
podem mostrar uma colisão do nosso universo com outro. Os cientistas esperam
terminar a análise dos dados em três anos.
Se nosso universo tiver
se chocado com outro, os cientistas enxergariam um padrão semelhante às
ondas formadas em um lago quando se joga uma pedra nele que poderia ser
detectável na radiação cósmica de fundo.
Uma
das ideias tratadas no livro é a de um número infinito de universos
idênticos ao nosso, momento a momento. Como assim?
Essa
ideia tem apenas um pressuposto: de que o espaço seja infinito. Ainda não
sabemos, mas é uma possibilidade. Se ele for infinito, há uma implicação
curiosa: só enxergamos um pedacinho minúsculo dele, chamado universo
observável.
Usando
leis básicas da mecânica quântica, podemos demonstrar que em qualquer
quantidade finita de espaço a matéria só consegue se organizar em uma
quantidade finita de configurações. Faço uma comparação com as cartas de um
baralho.
Você
as embaralha, elas mudam de ordem. Embaralha de novo e a configuração se
modifica. Mas existe um número finito de possibilidades para embaralhá-las.
Se
embaralharmos as cartas repetidas vezes, em algum momento essa ordem vai
começar a se repetir. O mesmo ocorreria com a matéria em um espaço infinito.
Mais cedo ou mais tarde, o arranjo das partículas também se repetiria.
Se o
arranjo de partículas em outro universo for o mesmo que o nosso, isso quer
dizer que há cópias de mim, do Sol, da Terra e de todo o resto nesse lugar
distante. É uma ideia muito estranha, mas que emerge naturalmente da análise.
Dos
nove conceitos de universos paralelos que o sr. descreve em seu livro, qual é o
mais simples?
O mais
simples é o do multiverso (grupo de universos) inflacionário. A melhor metáfora
para representá-lo seria um banho cósmico de bolhas de sabão. Nosso universo é
apenas uma dessas bolhas, enquanto as outras seriam universos distintos.
A base
dessa hipótese é uma análise matemática minuciosa do combustível cósmico que
poderia ter causado o Big Bang, a explosão primordial. Esse combustível é tão
eficiente que é praticamente impossível usá-lo completamente. Isso significa
que o Big Bang pode não ter sido um evento único.
É
possível que muitos Big Bangs já tenham ocorrido, cada um gerando um reino em
expansão, cada um uma ‘bolha de sabão’.
Se o multiverso inflacionário é o mais simples, qual seria o mais complicado?
Se o multiverso inflacionário é o mais simples, qual seria o mais complicado?
A
versão mais maluca talvez seja a possibilidade de que tudo a nossa volta seja
uma projeção holográfica de uma realidade paralela que existe numa superfície
fina que envolve o nosso universo observável.
Existem
razões matemáticas para que se considere uma superfície bidimensional rodeando
o nosso universo. É nessa superfície que as leis fundamentais da física se
manifestariam. Tudo que ocorre aqui, segundo esta hipótese, seria uma espécie
de holograma.
E se existirem?
Descobrir a existência de
universos paralelos não terá efeito imediato na vida da humanidade. É assim com
uma parte considerável das descobertas científicas.
Certamente Albert
Einstein não previa que sua Teoria da Relatividade, proposta entre os anos de
1905 e 1916, serviria de base para o GPS, sistema de navegação via satélites.
Muitas décadas teriam que se passar até que o primeiro satélite fosse lançado
(1957) e o GPS, que utiliza as fórmulas de Einstein para fazer correções de
tempo, fosse colocado em prática (1989).
De
todas as versões que o sr. descreve, qual tem mais chances de ser verificada na
prática?
É
aquela que surge a partir da Teoria de Cordas. Pode-se pensar em nosso querido universo como uma
fatia de "pão de forma cósmico". Outras fatias seriam outros
universos. O problema é que não teríamos acesso aos outros universos.
A
única coisa que poderia passar de uma "fatia" à outra é a partícula
da gravidade – uma partícula hipotética, nunca demonstrada. Todo o
resto seria fortemente ligado à nossa própria fatia do pão, ou seja, ao
nosso plano espacial.
O LHC,
o maior colisor de partículas do mundo, poderia verificar indícios da
existência destas fatias. Ele faz prótons, partículas que formam os
núcleos dos átimos, se chocarem a altíssimas velocidades.
Medições
cuidadosas dessas colisões podem mostrar que, após cada colisão, há um pouco
menos de energia. Essa energia "perdida" corresponderia à partícula
de gravidade que passou de uma fatia a outra do pão de forma cósmico.
Isso
significa que poderíamos ver os outros universos... ou visitá-los?
A
matemática mostra que, embora as partículas que estruturam todas as coisas — os
prótons, nêutrons, elétrons e quarks — possam transitar livremente nesse
universo, elas não conseguem sair dele.
Ou
seja, não conseguiremos viajar entre universos. Porém, poderíamos, em
princípio, estabelecer comunicação com esses universos. Poderíamos enviar ondas
gravitacionais entre um universo e outro, e essas ondas poderiam carregar
informações e sinais.
Por
que a partícula da gravidade poderia atravessar universos e as outras
partículas não?
É uma
boa pergunta. A Teoria de Cordas descreve as estruturas fundamentais de tudo
como filamentos minúsculos que vibram. São pequenas cordas que podem assumir
formas básicas: laços ou fragmentos.
A
matemática mostra que as partículas que formam a matéria são do tipo fragmento,
como um pedacinho de corda com duas pontas. Essas extremidades estariam
grudadas, permanentemente, numa dessas fatias de pão, em um dos universos.
Contudo,
as cordas com forma de laço não estariam grudadas porque elas não têm ‘pontas
soltas’. A gravidade, segundo essa teoria, é formada por essas cordas em
forma de laço, e é isso que permite o trânsito entre um universo e outro.
O
filme Matrix fala sobre uma ideia de universo paralelo. Como
se a realidade fosse uma simulação de computador. Isso é possível?
Há um
capítulo do livro que fala disso. Pessoalmente, acho plausível. É perfeitamente
possível no futuro termos conhecimento suficiente sobre o funcionamento da
natureza a ponto de criarmos universos simulados.
Revista VEJA online. Marco
Túlio Pires. (Hemera/Thinkstock).
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