Nossa malvada favorita
Adriana
Esteves explodiu como “namoradinha do Brasil”, depois virou piada nacional e
pensou em desistir de tudo, até amadurecer e virar sucesso retumbante na pele
da vilã Carminha.
De
segunda a sábado, Adriana Esteves praticamente mora no Estúdio D da Central
Globo de Produções, o Projac. Lá, desde fevereiro, é gravada a novela de
horário mais nobre, Avenida Brasil, na
qual ela dá vida a Carminha, uma personagem que já entrou para a história da
TV.
No
início de cada dia de trabalho, que dura até dez horas, ela recorre a um ritual
adquirido em aulas de jiu-jitsu: entra em cena com a mesma reverência com que
entrava no tatame. “É um misto de pedido de licença, reverência e oração”,
explica.
As
aulas de luta, freqüentadas na academia Gracie da Barra da Tijuca – bairro onde
Adriana mora – tiveram o objetivo de dar agressividade a quem fez balé clássico
durante a vida quase toda. O início das gravações impediu que ela continuasse
no tatame.
No
tatame oficial. “Estar em evidência na televisão, como vilã de novela das nove,
é uma luta”, diz a atriz. É assim para qualquer ator. Mas para Adriana Esteves
é mais ainda.
Há quase duas décadas,
ela também estava em evidência como protagonista do horário nobre.
Ao
contrário de agora, era a mocinha da trama. Com apenas dois anos de televisão,
ganhara o papel de Mariana, ninfeta rural de Renascer, de
Benedito Ruy Barbosa (foto abaixo, à esquerda). Fazia par com Antônio Fagundes,
um poderoso rei do cacau.
Mas,
ao contrário da vilã adorada de hoje, não era unanimidade de público e muito
menos de crítica. Adriana, aos 23 anos, sofreu “bullying nacional”. Quem
classifica é o ator e autor Miguel Falabella, hoje um de seus melhores amigos.
“Insossa”
era o adjetivo mais gentil usado pela crítica para falar de sua atuação. Seus
trejeitos brejeiros viraram piada. O colunista da Folha de São Paulo José Simão
passou todos os dias enquanto a novela estava no ar falando da personagem.
Simão a chamava, repetidamente, de “ostra autista” – um apelido que pegou.
“Dizem
que o elenco está ótimo porque a Adriana não Esteves” era outro bordão usado,
depois que a personagem perdeu força na trama.
Há
quem aguente. Hoje, em tempos de redes sociais, acontece coisa pior, em larga
escala. A jovem Adriana, porém, não segurou. Sumiu da televisão, tirou o time
de campo. “Pensei em fazer faculdade de medicina, mudar a vida toda, nunca mais
pisar em um estúdio”, afirma Adriana.
Teve
depressão e síndrome de pânico. Durante três anos, tratou-se com sessões de
terapia e remédios. Hoje, não se estende muito no assunto. São tempos de
colheita. Sua Carminha a elevou, seguramente, ao time das grandes damas da TV,
aos 42 anos.
Agora
as piadas não são sobre Adriana, mas sobre sua personagem, cujos feitos e
frases são repetidos nos lares, bares e escritórios e viram meme na internet. É
graças, em boa parte a sua atuação meio naturalista, meio farsesca, que trama
de João Emanuel Carneiro com seu texto impecável está batendo recordes de
audiência no horário.
A
própria atriz, no entanto, diz que ainda não tem a noção exata do nível de seu
sucesso. Vacinada contra a repercussão resultante de uma novela das nove,
resolveu seguir o conselho do marido – o ator Vladimir Brichta – e ficar longe
de internet, revistas e cadernos de televisão dos jornais.
No
único dia de folga, domingo, à vezes sai com a família. Aí é difícil conter os
fãs. “O que impressiona é como as crianças adoram a Carminha, apesar de todas
as maldades”, diz Vladimir.
O ator
é o terceiro marido de Adriana. Fizeram algumas novelas juntos e casaram em
2006. No início da carreira, a atriz fora casada com o empresário Totila Jordan
e com o ator Marco Ricca, pai de seu filho Felipe, de 12 anos. Depois, juntos,
tiveram Vicente, de cinco.
Para
completar o trio, Agnes, de 14, do primeiro casamento de Vladimir, que ficou
viúvo.
Os
mais velhos assistem à novela todos os dias. Adoram. Para o pequeno Vicente, a
história é pesada demais. Adriana gosta de conversar com seus adolescentes
sobre os rumos de Avenida Brasil e também sobre
seu desempenho. Gosta de estimular a opinião dos filhos.
O
marido diz que o maior recurso de Adriana como atriz é sua capacidade de
empatia na vida real. “Ela é intensa com tudo, está sempre com a emoção à flor
da pele e se coloca no lugar do outro de uma forma como nunca vi, para ajudar,
amparar, entender”, afirma. Tal sensibilidade da vida real, acredita, acaba
ajudando na composição dos personagens.
Ao
colocar-se na pele de outro, sentiria sua dor ou felicidade. De fato suas cenas
impressionam. A atriz dá diariamente carne e osso a uma vilã cujos músculos da
face tremem nas cenas em que está contrariada, uma mulher que emite sons
guturais de raiva. Lembra a bruxa dos contos de fadas da nossa infância, mas,
de alguma forma, muito real.
Também
chama atenção suas rápidas e perfeitas mudanças de expressão – uma demanda da
personagem fingida. Mas essa grande atriz nasce assim, de uma hora para outra?
Adriana
nunca frequentou aulas de teatro ou fez qualquer preparação para ser atriz.
Filha do meio das três meninas de um pediatra e uma professora do Méier,
subúrbio do Rio de Janeiro, estudou no colégio particular Metropolitano, um dos
melhores da região. Depois fez faculdade de Publicidade na Universidade Gama
Filho.
Para
ter seu próprio dinheiro, trabalhou como vendedora em loja no período de
férias. “Ela era fogo, vendia mais e ganhava prêmios. Sempre foi determinada. O
apelido de menina era Trovoada.
Já
chegava fazendo barulho”, diz o pai, Paulo Felipe Agostinho, 71 anos, pediatra
aposentado. Bonita, acabou sendo convidada para ser modelo fotográfico em
encartes de moda. Em 1988, apareceu na TV pela primeira vez, como figurante da
novela Vale Tudo, de Gilberto Braga e Aguinaldo Silva.
A
atriz entrou para a televisão, de fato, através de um concurso do Domingão do
Faustão, em 1989. Seria escolhida uma jovem para um pequeno papel da novela das
sete Top Model (foto ao lado). Adriana ficou em segundo.
A vencedora, escolhida pelo público, foi a atriz Flávia Alessandra.
Mas as
duas acabaram ganhando papeis na novela, que foi ao ar em 1990. No ano
seguinte, ela foi chamada para viver a protagonista de um Caso Especial. Eram
histórias de apenas um episódio, que existiram na programação da TV Globo por
25 anos.
Adriana
foi chamada para viver Marina, no episódio de mesmo nome, escrito pelo
roteirista de cinema Leopoldo Serran. A personagem era a jovem namorada de um
traficante, que planeja sua morte. Falabella fazia o capanga do bandido. Foi
ali que os dois se conheceram – embora só tenham ficado amigos muitos anos
depois.
Ele
chama atenção para a atuação, já competente, de Adriana. De fato – e quem
procurar no You Tube verá –, a menina já convencia. Chora e gargalha em cena,
num tom histérico, como veterana. Já dá para perceber ali um embrião de
Carminha. “Ela não era uma curiosa, uma desinibida.
Já
dava pra ver que ela era do ramo”, diz Falabella. Crítica e público, porém,
deram mais atenção à nudez de sua personagem que aparece de lingerie ou
correndo sem roupa numa praia deserta.
Duas
novelas depois, Adriana já era considerada a nova namoradinha do Brasil e
estampava dezenas de capas de revistas. Chegou a sair na versão
latino-americana da revista Time como símbolo do sucesso das novelas do
continente. E aí veio a queda.
O
autor Carlos Lombardi havia escrito a personagem Babalu de Quatro por Quatro para ela. Recusou. Foi
substituída na última hora por Letícia Spiller – que teve grande sucesso. “Foi
muita pressão, ela precisou se recolher por muito tempo. Mas as crises trazem o
amadurecimento. Ela se tornou uma pessoa melhor e uma atriz melhor”, diz Anaíde
Karabachian, a Naná, empresária da atriz há vinte anos.
Em
1996, voltou, devagar, ao rumo do sucesso. Nos bastidores, sempre foi
considerada eficiente, carismática, além de disciplinada. Em 1998, ganhou um
papel na novela das nove, Torre de Babel.
Desta vez, não era a mocinha, mas uma anti-heroína moleca e amoral, a suburbana
Sandrinha. Sua versatilidade chamou atenção.
Em
2000, fez a ranzinza Catarina, protagonista de O Cravo e
a Rosa, das seis, novela inspirada em A Megera Domada, peça de
Shakespeare. Daí pra frente, encarnou personagens cômicas e seriados
humorísticos.
O
degrau que faltava surgiu com a minissérie Dalva & Herivelto,
em 2010 (foto ao lado). O diretor Dennis Carvalho procurava uma atriz para
viver a dramática cantora que reinou na Rádio Nacional nos anos 50, ao lado do
marido Herivelto Martins. Escolheu Adriana depois de ver sua foto ao lado de
uma imagem da estrela: os rostos eram parecidos.
Mas
foi mais do que mera semelhança. Ela fez um trabalho minucioso: decorou todas
as letras das canções e teve aulas de canto lírico para dublar de forma
expressiva. Sem falar nos trejeitos da cantora, que ela absorveu de forma
mágica.
A
opinião geral – especialmente de quem estava acostumada a atuações mais
convencionais de Adriana – era de que a Estrela Dalva baixara na atriz. Adriana
foi nacionalmente aclamada e concorreu ao Emmy, uma espécie de Oscar da
televisão internacional. “É uma atriz que atingiu sua maturidade e ainda vai
nos surpreender muito”, afirma Dennis.
Carminha
é a primeira grande vilã de Adriana Esteves, uma atriz que colecionou
personagens do bem em 23 anos de carreira e mais de 20 novelas e séries. Somado
ao fato de que os vilões costumam ser cultuados nos dias de hoje – muitas vezes
por estar “liberados” para dizer o que pensamos, mas não podemos dizer num
mundo politicamente correto –, o carisma dessa atriz salta aos olhos diante da
mesmice que costuma habitar as telenovelas.
Sua
Carmem Lúcia é um misto de periguete com madrasta má de conto de fadas, mas
humanizada por um passado (ainda misterioso) de sofrimento, que a tornaria
também vítima.
Diretor
de núcleo de Avenida Brasil – e,
coincidentemente, quem dirigiu as cenas de Adriana no concurso do Domingão do
Faustão que foi seu passaporte para a TV –, Ricardo Waddington classifica
Adriana como visceral, intuitiva e pouco cerebral. “Claro que, com o tempo, ela
adquiriu algumas ferramentas técnicas, mas seu maior trunfo é se jogar no
abismo”, diz.
Desta
vez, porém, a queda foi para os braços do público.
Revista ÉPOCA online. MARTHA MENDONÇA. ADRIANA
ESTEVES, AVENIDA
BRASIL, CARMINHA.




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