Agrotóxico mais encontrado
em frutas e verduras no Brasil é fatal para abelhas.
Um
agrotóxico
fatal para as abelhas foi o mais encontrado em um levantamento do Governo que
analisa o resíduo de pesticidas em frutas e verduras vendidas em todo país.
O
resultado da nova edição do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em
Alimentos, o PARA, foi divulgado pela Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
na semana passada e mostrou também que em 51%
dos testes realizados foi encontrado alguma quantidade de resíduo de agrotóxico
nos alimentos.
Na
pesquisa, que testou 4.616 amostras de 14 alimentos, o ingrediente ativo
imidacloprido foi o mais encontrado.
Ele
é um neonicotinoides, um inseticida derivado da nicotina que tem capacidade de
se espalhar por todas as partes da planta e, por isso, é fatal para os
polinizadores.
Uma
reportagem da Agência Pública e Repórter Brasil revelou em março
deste ano que mais de 500 milhões de abelhas
morreram em três meses
em quatro estados brasileiros.
Uma
das principais causas das mortes foi justamente o contato com agrotóxicos à
base de neonicotinoides, que atingem o sistema nervoso central das abelhas
—afetando a capacidade de aprendizagem e memória, fazendo com que muitas delas
percam a capacidade de encontrar o caminho de volta para a colmeia.
Ter
um agrotóxico fatal para abelhas como o mais encontrado em alimentos é um
alerta também para a saúde humana.
Primeiro
porque ele acaba sendo consumido pelas pessoas. “Esse tipo de produto que se
espalha por toda a planta é muito perigoso, pois lavar o alimento ou
descascá-lo não é suficiente para retirar os resíduos de agrotóxico, que já
circulam dentro da planta”, explica engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo,
vice-presidente da regional sul da Associação
Brasileira de Agroecologia (ABA).
Outro
problema desse tipo de agrotóxico ser o mais detectado no PARA é que, ao matar
abelhas, se prejudica também a produção das lavouras.
Isso
porque elas são as principais polinizadores da maioria dos ecossistemas,
promovendo a reprodução de diversas espécies.
No
Brasil, das 141 espécies de plantas cultivadas para alimentação humana e
animal, cerca de 60% dependem em
certo grau da polinização das abelhas.
Segundo
a Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e a Agricultura (FAO),
75% dos cultivos destinados à
alimentação humana no mundo dependem das abelhas.
No
PARA, o Imidacloprido foi encontrado em 713 amostras, ou cerca de 15% de todos
os alimentos testados.
Oito
produtos agrotóxicos à base de Imidacloprido foram autorizados pelo governo de
Jair Bolsonaro neste ano, com registros de comercialização indo para as multinacionais
estrangeiras Sulphur Mills, Albaugh Agro (dois registros), Helm, Nufarm, Tide e
Tradecorp, e para a nacional AllierBrasil.
Na
edição anterior do PARA, com análises feitas entre 2013 e 2015, o Imidacloprido
havia sido apenas o quinto ingrediente ativo mais encontrado nas amostras.
Segundo
a Anvisa, não é possível comparar os resultados porque a metodologia de
pesquisa mudou — alimentos e períodos de análise agora são diferentes.
Resultados não são positivos
A
pedido da Agência Pública e da Repórter Brasil, especialistas de
organizações que estudam o tema dos agrotóxicos analisaram o relatório, disponibilizado no site da Anvisa, e afirmaram que os resultados são alarmantes, ao
contrário do que fez parecer o tom otimista da divulgação oficial do relatório.
Para
Melgarejo, da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), o relatório acende um alerta. “O número de 23% dos produtos
apresentarem agrotóxico acima do permitido é assustador.
E
os 27% com veneno abaixo do limite não traz tranquilidade”, diz. “Nas
definições de limites aceitáveis, é tido como base uma pessoa adulta de 50
quilos.
Mas
estamos alimentando crianças e bebês com esses mesmos alimentos. Estar abaixo
do limite considerado seguro para um adulto de 50 quilos não significa dizer
que é seguro para um bebê ou criança.”
Representantes
da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida também criticaram o
posicionamento da Anvisa em relação ao relatório, qualificado como “roupa
bonita para um conteúdo altamente tóxico”.
Em
nota, a organização diz que apesar do aspecto técnico da publicação, o release
divulgado no site da Anvisa é “extremamente otimista”.
Segundo
eles, o tom é “de uma peça de propaganda política para um relatório que, lido
atentamente, traz grandes preocupações para a sociedade.”
A
organização completa dizendo que “em um contexto de uso crescente de
agrotóxicos ano a ano, e também de aumento sistemático das
intoxicações por agrotóxicos, é lamentável ver a Agência que deveria garantir a
segurança alimentar da população minimizando resultados gravíssimos sobre as
condições da comida servida ao povo brasileiro”.
Para
a organização não governamental Greenpeace, a comunicação dos resultados foi
“maquiada”.
“Os
problemas continuam os mesmos, mas a forma otimista que eles divulgaram faz
parecer que melhorou, e isso, infelizmente, foi replicado por muitos veículos
de imprensa.
Ainda
temos mais de 50% dos alimentos com
alguma quantidade de agrotóxicos. E os 27% com agrotóxicos abaixo do limite são
questionáveis, pois esses limites são muito frágeis quando falamos de várias
alimentação completas durante o dia, com mistura de alimentos e substâncias,
que tem um efeito diferente de um produto isolado”, explica Marina Lacôrte,
especialista em Agricultura e Alimentação do Greenpeace.
Criado
em 2001, o PARA testou nesta versão 14 produtos da dieta da população
brasileira — abacaxi, alface, alho, arroz, batata-doce, beterraba, cenoura,
chuchu, goiaba, laranja, manga, pimentão, tomate e uva.
As
amostras foram recolhidas em estabelecimentos de 77 municípios, entre agosto de
2017 a junho de 2018, ou seja, antes do início do Governo de Jair Bolsonaro, no qual 467 produtos agrotóxicos foram liberados
em menos de um ano, um recorde histórico.
Do
total de amostras analisadas (4.616), em 2.254 (49%) não foram detectados
resíduos, 1.290 (28%) apresentaram resíduos com concentrações iguais ou
inferiores ao Limite Máximo de Resíduos (LMR), estabelecido pela Anvisa.
E
em 1.072 amostras (23%) foram identificados resíduos acima do permitido,
incluindo até mesmo agrotóxicos proibidos de serem comercializados no Brasil.
Em
0,89% — quase um em cada 100 casos —, foi identificado potencialidade para
causar riscos agudos à saúde, com efeitos como enjoo, vômito, dor de cabeça e
febre nas 24 horas seguintes ao consumo do alimento.
A
visão do Governo, por meio da Anvisa, é a de que o resultado do relatório é
positivo. “Temos situações pontuais de riscos, mas que não geram nenhum risco a
saúde da população.
Os
dados mostram a segurança dos alimentos que a gente consome hoje”, garantiu
Bruno Rios, diretor adjunto da Anvisa, em coletiva após a divulgação dos dados.
Análise não identifica todos agrotóxicos permitidos
no Brasil
As
coletas analisadas no PARA foram feitas pelas vigilâncias sanitárias e
encaminhadas para os Laboratórios Centrais de Saúde Pública (Lacens): Instituto
Octávio Magalhães (IOM/FUNED/MG), Laboratório Central de Goiás (Lacen/GO) e
Instituto Adolfo Lutz (IAL/SP); e para um laboratório privado contratado por
processo licitatório.
Segundo
o relatório, em cada amostra foram pesquisados até 270 ingredientes ativos,
número bastante inferior aos 499 permitidos para serem comercializados no
Brasil após avaliação da Anvisa, Ministério da Agricultura e Ibama.
Foram
detectados resíduos de 122 ingredientes ativos diferentes nas 4.616 amostras
analisadas, o que resultou no total de 8.270 detecções de agrotóxicos — em
muitos casos foram identificados mais de um tipo de pesticida em um só
alimento, mas a Anvisa não especifica quais em seu relatório.
Depois
do Imidacloprido, citado no início da reportagem, os ingredientes ativos mais
encontrados foram os fungicidas Tebuconazol (570) e o Carbendazim (526) — este
último proibido na União Europeia, Estados Unidos, Canadá e Japão por causar
problemas mutagênicos e de toxicidade reprodutiva.
Em
2012, os EUA proibiram a importação do suco de laranja brasileiro devido à
presença deste fungicida nos produtos.
Entre
os 40 ingredientes ativos mais
encontrados há o Carbofurano, um produto proibido no Brasil, identificado 52
vezes na atual pesquisa — na edição 2013-2015, o Carbofurano aparecia entre os
30 ingredientes ativos mais encontrados.
Em
outubro de 2017, dois meses após o começo das análises, a Anvisa desautorizou a
comercialização de agrotóxicos à base de Carbofurano justamente pela
persistência de seus resíduos nos alimentos, além de malefícios à saúde humana.
Ele
também é classificado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como altamente
tóxico do ponto de vista agudo — a que causaria intoxicação nas 24 horas
seguidas ao consumo.
De
acordo com a Anvisa, a presença de agrotóxicos não autorizados nas análises tem
como um dos motivos os poucos registros para culturas consideradas de baixo
retorno econômico.
Por
isso, muitos produtores acabam utilizando agrotóxicos autorizados para uma
cultura específica – soja, por exemplo, em outras culturas, caso da uva.
Laranja,
goiaba e uva: os três mais com agrotóxicos
Entre
os alimentos testados, a laranja foi a que mais apresentou resíduos de
agrotóxicos.
De
382 análises, apenas 157 não apresentaram vestígios de pesticidas, 173
apresentaram resíduos em concentrações iguais ou inferiores ao permitido pela
lei e em 52 casos os níveis de agrotóxico encontrados estavam acima do
permitido.
Foram
encontrados 47 agrotóxicos diferentes nas laranjas vendidas em supermercados
brasileiros, que incluiu até mesmo resíduos de Carbofurano, proibido no Brasil.
O
mais encontrado na fruta foi o Imidacloprido. Na laranja também foi encontrado
a maior exposição para risco agudo.
Depois
da laranja, a goiaba e a uva foram os alimentos que mais apresentaram riscos
agudos.
Nova metodologia é criticada
Até
2012, os resultados do PARA eram lançados anualmente. Desde então, optou-se por
divulgar o relatório compilado de três anos.
O
último foi divulgado em 2016, com dados de 2013 a 2015. Não houve coletas em
2016, por conta de uma reestruturação no projeto, que só voltou à ativa no
segundo semestre de 2017.
Na
edição anterior, onde foram analisadas 12.051 amostras em três anos, o percentual
de alimentos com agrotóxicos acima do permitido pela lei era de 19,7%, menos do
que o atual.
Além
disso, até 2015, o PARA trabalhava com uma lista de 25 alimentos a serem
analisados, que representavam 70% da cesta de alimentos de origem vegetal consumidos
pela população brasileira, segundo dados brutos da Pesquisa de Orçamentos
Familiares (POF) do IBGE de 2008-2009, que traça o perfil de orçamento
doméstico e condição de vida da população brasileira.
Agora,
a partir da reestruturação, o número de alimentos foi ampliado para 36, mas nem
todos os alimentos escolhidos serão analisados anualmente, pois as análises vão
variar dentro de cada triênio.
Nesta
edição, por exemplo, apenas 14 foram analisados, e alimentos como o feijão e a
batata ficaram de fora, mas devem entrar nas próximas edições.
A
rotatividade é criticada por especialistas da área. “Produtos muito
importantes, que estão no prato do brasileiro, não aparecem no resultado.
O
trigo que vai no pãozinho do dia a dia, o feijão que é um ingrediente
tradicional no prato brasileiro. Não é uma boa ideia a Anvisa fracionar as
análises para períodos específicos, quando a população consome esses produtos
durante todo o ano”, explica o engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo.
Marina
Lacôrte, do Greenpeace, também criticou o baixo número de alimentos
apresentados.
“Esses
dados tem que ser avaliados todo o ano, pois há safras todos os anos. Eles
argumentam que essas alterações ocorrem por questões financeiras, mas esse é um
investimento necessário que o Governo deve fazer: a saúde da população.
Se
o problema é financeiro, então que se retire a isenção de impostos para os
agrotóxicos, e utilizem esses impostos para bancar programas como esse”, diz.
Esta reportagem faz parte do projeto Por Trás do
Alimento, uma parceria da Agência Pública e Repórter Brasil para
investigar o uso de agrotóxicos no Brasil.
A cobertura completa está no site do projeto.
Reportagem originalmente publicada na Agência Pública.
Conteúdo
Jornal EL PAÍS.
Pedro
Grigori (Agência Pública/Repórter Brasil).
Portal
MSN.
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