Quando a mente fabrica a
doença.
Em livro, neurologista Suzanne O’Sullivan descreve
pacientes com transtornos psicossomáticos
A
neurologista Suzanne O’Sullivan, há algumas semanas, em Madri.LUIS SEVILLANO.
Quase todos nós aceitamos sem problemas que o
coração bata com mais força quando nos aproximamos da pessoa por quem estamos
apaixonados, ou que as nossas pernas tremam quando é
preciso falar em público.
São emoções que provocam sintomas físicos reais.
Entretanto, custa aceitar que os mesmos pensamentos que causam um frio na
barriga cheguem a desencadear doenças graves, como cegueira, convulsões ou
paralisias.
E, no entanto, é justamente isso que descreve a
neurologista Suzanne O’Sullivan no livro It’s All in Your Head (está
tudo na sua cabeça, na tradução literal, ainda inédito no Brasil), no
qual revê alguns dos casos mais impactantes de doenças psicossomáticas com os
quais se deparou ao longo da carreira.
Certa vez, O’Sullivan teve uma paciente, chamada
Linda, que percebeu um pequeno inchaço no lado direito da cabeça. Era só um
cisto sebáceo, mas ela não parava de fazer exames e consultas.
Pouco depois, perdeu a sensibilidade do braço e da
perna direitos; a paciente tinha certeza de que o inchaço havia atingido o
cérebro. Quando O’Sullivan a examinou, todo o lado direito do corpo – o mesmo
onde estava o caroço – já havia perdido o movimento e a sensibilidade.
Só que Linda não sabia que o lado direito do cérebro
na verdade controla os movimentos do lado esquerdo do corpo, e por isso sua
mente se enganou ao criar os sintomas.
Linda, na verdade, sofria de um transtorno
psicossomático – seus pensamentos desencadeavam
sintomas de uma doença inexistente.
Quando O’Sullivan estava se especializando em neurologia,
foi ensinada a distinguir os doentes que tinham sintomas físicos causados por
conflitos mentais.
“Todos os meus pacientes tinham convulsões, mas em
70% dos casos não sofriam de epilepsia: por mais que fossem examinados, não
encontrávamos nenhuma lesão ou causa neurológica que explicasse seus sintomas.
Tinha
de ser algo psicológico.”
Mas mandar os pacientes para casa com o diagnóstico
que não eram epiléticos não servia de consolo, de modo que a médica se sentiu
obrigada a encontrar uma maneira de ajudá-los.
“As incapacidades que criamos com
nossa mente são tão infinitas que já deixei de acreditar nos limites”
Em 2004 ela começou a agir, e desde então, quando
encontra um paciente com sintomas, mas sem lesões neurológicas, tenta lhe
explicar que a origem dos seus males é um problema psicológico mal resolvido.
Geralmente, porém, os pacientes se negam a aceitar
esse diagnóstico. “Eles têm um estresse mental do qual não estão conscientes, e
alguém está obrigando-os a encará-lo”, diz a médica.
“Esses sintomas são uma manifestação do organismo:
seu organismo está lhe dizendo que algo não vai bem dentro de você, e que você
não está percebendo.”
Ninguém está a salvo dessas doenças, e há centenas
de causas que as originam. Segundo O’Sullivan, os casos muito extremos, como as
convulsões ou paralisias, costumam nascer de traumas psicológicos severos; os
menos graves podem surgir de um amontoado de pequenos esgotamentos que os
pacientes não sabem administrar.
“Depende da atenção que a pessoa presta às dores.
Se ficarem obcecadas e buscarem repetidamente uma explicação médica que não
existe, é possível que acabem desenvolvendo a doença psicossomática”, explica
O’Sullivan.
Para se curar, o acompanhamento psicológico é
indispensável. Segundo O’Sullivan, a primeira coisa a fazer é abandonar a ideia
de que há uma enfermidade orgânica.
A seguinte etapa é ver como a mente afeta o corpo:
se você sente palpitações e nota que está ansioso, elas começarão a parecer
muito menos graves, já que você conhece as causas.
Mas, se associa essas palpitações a problemas
cardíacos, e os exames médicos não comprovam isso, você provavelmente ficará
obcecado, e as palpitações irão piorar.
“Seu organismo está lhe dizendo que
algo não vai bem dentro de você, e que você não está percebendo”
“Às vezes, os pacientes desejam desesperadamente
que você encontre um resultado ruim nos exames, que dê um nome para sua doença
e receite alguns comprimidos que justifiquem suas dores”, conta a neurologista.
Esse problema é muito mais comum do que se imagina.
Cerca de 30% das pessoas sofrem disso, e a imensa maioria nem sequer fica
sabendo.
Após mais de dez anos de dedicação às enfermidades
psicossomáticas, Suzanne O’Sullivan continua sem saber apontar o caso mais
grave que viu.
“Os casos mais duros são os de pessoas que
adoeceram quando tinham 16 anos e, aos 50, continuam indo a médicos.
Estão cegos ou em cadeira de rodas e continuam se
submetendo a operações. Conheço pessoas que comem por um tubo, mas não têm
nenhuma doença orgânica.
Todas as partes do seu organismo foram afetadas por
sua mente”, relata.
Nada mais surpreende essa neurologista. “As incapacidades
que criamos com nossa mente são tão infinitas que já deixei de acreditar nos
limites”, diz.
Por: M. Victoria S. Nadal.
Conteúdo Jornal EL PAÍS.
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