"Há cada vez mais crianças com problemas de saúde mental", diz presidente da Academia Americana de Pediatria.
Pediatra há mais de 40 anos, Thomas K. McInerny afirma, em entrevista ao site de VEJA, que doenças mais comuns em adultos, como obesidade e depressão, deverão se tornar mais frequentes em crianças nos próximos anos.
As crianças devem conviver cada vez mais com doenças que antes atingiam quase que exclusivamente os adultos, como obesidade e depressão, diz pediatra.
"A forma que praticamos pediatria durante décadas não vai mais funcionar daqui em diante", afirma Thomas K. McInerny, calcado na experiência de quem trata crianças há mais de quatro décadas.
De acordo com o pediatra, eleito no início de outubro presidente de uma das maiores referências mundiais desse campo médico, a Academia Americana de Pediatria, a tendência é que as crianças convivam cada vez mais com as doenças que antes atingiam quase que exclusivamente os adultos, como obesidade e depressão.
Para encarar a nova realidade, os pediatras precisam se atualizar e aprender a enxergar problemas que antes eram mais raros em sua rotina. "Esse é o novo desafio da profissão. Desenvolver práticas, por exemplo, para tratar de crianças com problemas de saúde mental. Não é como tratar alguém com pneumonia, quando basta prescrever penicilina e esperar até tudo ficar bem”.
McInerny está no lugar certo para ajudar a atender a essa nova necessidade da profissão. A organização que ele vai presidir a partir de 2012 costuma ditar regras que são seguidas por pediatras do mundo inteiro. Com mais de 60.000 médicos credenciados, entre profissionais dos Estados Unidos, do Canadá e do México, a AAP é responsável por publicar mensalmente a revista Pediatrics, a mais prestigiada da especialidade.
O periódico cobre os mais diversos campos de pesquisa sobre jovens e adolescentes - números recentes trouxeram artigos sobre o tempo adequado de uso de dispositivos eletrônicos, guias para evitar a alergia alimentar e novas diretrizes de vacinação.
Em outubro deste ano, a academia lançou novas regras para diagnóstico e tratamento de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). De acordo com elas, crianças entre 4 e 5 anos poderão ser tratadas com remédios se não responderem a  tratamentos comportamentais.
"Medicamentos para TDAH não são úteis para crianças com outros problemas. Por isso, o diagnóstico correto é tão importante", disse McInerny em entrevista ao site de VEJA.
Perfil. Thomas K. McInerny. Presidente eleito da Academia Americana de Pediatria para o período 2012-2013.
O presidente eleito da Academia Americana de Pediatria (AAP) é médico pediatra há mais de 40 anos. Formado pela Harvard Medical School, fez residência nos hospitais infantis de Boston e de Cincinatti. Além de trabalhar no Panorama Pediatric Group em Rochester, Nova York, é professor do Departamento de Pediatria da Universidade do Centro Médico de Rochester e Hospital Infantil Golisano.
McInerny já foi editor-chefe de publicações da AAP e foi um dos autores do AAP Mental Health Toolkit (Kit de ferramentas para a saúde mental da AAP), quando fazia parte da equipe que tratava das questões relacionadas a saúde mental da Academia. Também é membro da Sociedade Americana de Pediatria e da Associação Acadêmica de Pediatria.
Casado há 46 anos, é pai de quatro filhos e tem cinco netos.Após quarenta anos atuando na área de pediatria, que tipo de mudanças o senhor tem notado? Convivemos cada vez menos com doenças infecciosas, por causa da possibilidade de imunização: há menos sarampo, catapora, rubéola, meningite.
Vemos diminuição nos casos de gripe e de doenças causadas pela bactéria pneumococo (Streptococus pneumoniae). E isso é incrível. Outro ponto é que doenças como leucemia, fibrose cística, alguns tipos de câncer e doenças cardíacas congênitas têm um maior potencial de cura. Normalmente, as crianças morriam durante a infância por causa dessas enfermidades. Quando comecei na pediatria, 80% das crianças com leucemia morriam. Essa lógica se inverteu.
A expectativa de vida para quem tem fibrose cística também aumentou e muitos conseguem chegar a 30 ou 40 anos. O mesmo ocorreu com as doenças cardíacas congênitas, que antes eram inoperáveis. Todas essas são boas notícias.
E quais são as más notícias?
Temos o problema da obesidade e o fato de que muitas crianças vão desenvolver diabetes tipo 2 por causa dela. Além disso, ainda temos más notícias sobre o desenvolvimento emocional e comportamental das crianças.
Estamos vendo mais crianças com problemas de saúde mental do que víamos no passado. E isso provavelmente tem a ver com o stress e a ansiedade a que elas são submetidas. Elas sofrem algumas das pressões da sociedade moderna.
Como isso impacta na rotina do pediatra?
É mais difícil cuidar de crianças com problemas de saúde mental. Não é como tratar alguém com pneumonia, que é só prescrever penicilina e esperar até tudo ficar bem. Hoje, não tratamos tantas crianças com pneumonia, mas temos que encarar a depressão infantil, por exemplo. A depressão requer um acompanhamento contínuo durante muitos anos.
O que o senhor, recentemente eleito presidente da Academia Americana de Pediatra, sugere aos seus companheiros de profissão?
É preciso que os pediatras se preparem para reconhecer e lidar com esses problemas de saúde mental na infância. Fizemos uma força-tarefa para conscientizar os pediatras e criamos um material com orientações sobre as doenças mentais. O livro ajuda os pediatras na hora do diagnóstico e do tratamento, e os orienta no trabalho em conjunto com especialistas como psiquiatras e psicólogos.
Como os pais podem saber se os filhos estão com problemas e o que devem fazer?
Primeiro, eles precisam observar se o comportamento das crianças mudou em casa. Se crianças muito ativas subitamente ficaram caladas, se estão tristes, deixaram de ter amigos. Outra grande mudança é o desempenho escolar. Normalmente, crianças com problemas emocionais começam a ir mal na escola. A partir disso, os pais devem consultar os pediatras, que normalmente podem orientá-los sobre como agir e lidar com o problema.
Nos Estados Unidos, a AAP reduziu a indicação de remédios para crianças com TDAH com menos de seis anos e que não respondem a tratamento. No Brasil, há uma preocupação com o diagnóstico incorreto e a prescrição indevida do metilfenidato (principal medicamento usado no tratamento do distúrbio).
Quais são os riscos?
Esses medicamentos são chamados de estimulantes e eles não devem ser dados a crianças que não tem preencham o critério para transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. Isso é perigoso porque podem trazer efeitos colaterais. O problema é que os pais chegam ao consultório com a opinião muitas vezes já formada. Muitos professores dizem aos pais: 'Seu filho tem déficit de atenção e hiperatividade, então vá ao médico pedir medicamentos para isso.'
Sabemos que as crianças podem ter problemas de atenção. Algumas podem ter TDAH, outras podem ter dificuldades de aprendizado ou problemas emocionais. Medicamentos para TDAH não são úteis para crianças com outros problemas. Por isso o diagnóstico correto é tão importante.
O senhor citou a obesidade como um dos desafios para o futuro da pediatria. Hoje, ela afeta 17% de todas as crianças e adolescentes dos Estados Unidos — índice três vezes maior que a geração anterior. O que precisa ser feito para mudar essa realidade?
Como se sabe, na pediatria, prevenção sempre é melhor que a cura. Então, nós realmente precisamos começar a acompanhar as crianças de perto durante a idade escolar. Os médicos precisam observar a altura, o peso e o índice de massa corporal delas.
Qual deve ser a conduta dos médicos?
Se as crianças começarem a ter um aumento de peso em relação ao crescimento, temos que intervir. É preciso evitar que elas se tornem obesas na adolescência, porque isso é muito mais difícil de tratar. As crianças precisam fazer mais atividades físicas.
Elas não brincam o suficiente e passam muito tempo em frente à  televisão, ao computador e ao videogame. Também precisamos reduzir drasticamente o total de açúcar que elas consomem nas bebidas como refrigerantes e sucos de frutas. As famílias precisam cozinhar alimentos de forma mais saudável, em vez de recorrerem às redes de fast food.
Revista VEJA online. Natalia Cuminale. (Thinkstock)

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