A Trapaça eleitoral
resultou na denúncia contra um grupo de petistas rasos. Apesar das evidências,
não se descobriu de onde veio o dinheiro, muito menos quem foi o mandante da
operação
Pressão
O
delegado Edmilson Bruno, que prendeu os “aloprados”, disse que o então ministro
da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, telefonou para a delegacia e perguntou se o
nome do presidente Lula havia sido citado pelos presos(Tuca Vieira/ Folhapress; Dida
Sampaio/ AE)
Na semana passada, a Justiça Federal abriu processo
contra nove envolvidos no escândalo dos aloprados, aquele em que petistas foram
presos em São Paulo, às vésperas das eleições de 2006, quando se preparavam
para comprar um dossiê fajuto que serviria para enredar políticos do PSDB com a
máfia que fraudava licitações no Ministério da Saúde.
A decisão sugere que mais uma jogada rasteira de
petistas interessados em se perpetuar no poder à base de práticas escusas —
entre as quais o mensalão desponta como exemplo mais degradante — será, depois
de seis anos, finalmente punida.
Ledo engano. Os aloprados levados às barras dos
tribunais são militantes de baixo escalão e meros tarefeiros a serviço de
próceres do partido. Eles vão responder a um processo manco, que não esclarece
duas das principais dúvidas relacionadas ao caso: quem encomendou a trapaça
eleitoral e de onde saiu o dinheiro que financiaria a operação.
Se essas questões não forem explicadas, restará a
certeza de que compensa investir no vergonhoso vale-tudo que impera na política brasileira. Afinal, como castigo,
só uma arraia-miúda do PT ficará pelo caminho.
Os aloprados
Como foram batizados pelo ex-presidente Lula depois
de descobertos pela Polícia Federal — agiram em setembro de 2006 numa tentativa
de implicar o tucano José Serra, ex-ministro da Saúde e então candidato ao
governo de São Paulo, com a quadrilha que desviava recursos públicos
direcionados para a compra de ambulâncias.
Os petistas portavam 1,7 milhão de reais para comprar
papéis falsos destinados a macular a imagem do tucano. À frente da ação
figuravam assessores próximos de Lula e do atual ministro da Educação, Aloizio
Mercadante, que à época disputavam, respectivamente, a reeleição presidencial e
o governo paulista.
Essa operação para atingir os adversários foi um
dos muitos tiros no pé disparados pelo partido, talvez o mais exemplar deles.
Em vez de ajudar o PT, o caso, ao ser revelado, contribuiu para que Lula fosse
obrigado a disputar um segundo turno contra Geraldo Alckmin. Já Mercadante foi
derrotado por Serra.
As urnas foram as únicas penalidades impostas aos
dois petistas. O caso, porém, é mais um a reforçar a suspeita de que órgãos de
investigação têm sido usados com fins meramente políticos — principalmente para
livrar cardeais do PT de embaraços com a Justiça.
A PF concluiu o inquérito sobre o escândalo, ainda
em 2006, com o indiciamento de sete pessoas. Não conseguiu apontar os mandantes
do crime nem a origem do dinheiro que pagaria o dossiê fajuto. Apesar de
sobrarem evidências sobre a participação de integrantes do comitê central de
campanha de Lula, o personagem mais graúdo entre os indiciados foi Aloizio
Mercadante.
Os policiais concluíram que Mercadante seria o
principal beneficiário do dossiê, que atingia seu rival direto na eleição de
2006. O indiciamento do petista foi derrubado posteriormente pelo Supremo
Tribunal Federal. Restaram, então, só os militantes usados pelo partido para
transportar a mala com notas de real e dólar e executar o plano.
Os cérebros da empreitada ficaram de fora. No auge
do episódio, a Polícia Federal foi acusada de montar uma operação limpeza para
apagar os indícios que poderiam levar aos petistas graúdos.
Coube a um dos delegados que participaram da
investigação, Edmilson Bruno, denunciar a trama. Em depoimento ao Ministério
Público, ele acusou alguns de
seus principais superiores hierárquicos de ter feito pressão para impedir
que o caso chegasse ao núcleo da campanha de Lula.
Responsável pela apreensão do dinheiro num hotel
vizinho ao Aeroporto de Congonhas, o delegado revelou que até o então ministro
da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, tinha se empenhado pessoalmente no caso,
indagando se os presos haviam citado o nome do presidente Lula.
Pressão
O delegado Edmilson
Bruno, que prendeu os “aloprados”, disse que o então ministro da Justiça,
Márcio Thomaz Bastos, telefonou para a delegacia e perguntou se o nome do
presidente Lula havia sido citado pelos presos.
A investigação da Polícia Federal deixou mais
lacunas que certezas. Seguir o caminho do dinheiro, procedimento básico em
investigações desse tipo, foi uma das medidas deixadas de lado.
Graças a informações enviadas pelo FBI, a polícia
federal americana, os agentes brasileiros souberam que os dólares que faziam
parte da dinheirama apreendida foram impressos em Miami, circularam pela
Alemanha e foram parar numa casa de câmbio do Rio de Janeiro.
Lá, foram comprados por pessoas humildes, os
conhecidos laranjas. A investigação parou por aí. Não se conseguiu sequer
descobrir a mando de quem estavam esses laranjas. Já a origem dos reais nunca
deixou o terreno das hipóteses, embora existissem duas pistas consistentes
dentro do próprio inquérito.
A primeira é que uma parte do dinheiro foi sacada
em três bancos de São Paulo, provavelmente pela mesma pessoa. Essa conclusão
foi possível após os agentes perceberem nas planilhas da quebra de sigilo
telefônico que um mesmo celular, em nome de Ana Paula Cardoso Vieira, era usado
para falar com vários envolvidos no escândalo.
Ana Paula, na verdade, era Hamilton Lacerda, um dos
aloprados petistas encarregados de executar a operação (o CPF da verdadeira Ana
Paula foi usado pelo bando para habilitar o aparelho).
No dia da prisão, Hamilton "Ana Paula"
Lacerda teria passado por três bancos diferentes. "Tentamos várias formas
de identificar a origem do dinheiro e não conseguimos", justifica-se o
delegado federal Diógenes Curado, responsável pela conclusão do inquérito.
A outra suspeita, de que parte do dinheiro tinha
origem na Bancoop, cooperativa controlada por grão-petistas e usada em outros
rolos financeiros do partido, também foi deixada de lado. Tão logo foi
concluído pela PF, o inquérito seguiu para o Ministério Público Federal.
Os procuradores poderiam ter solicitado diligências
para sanar as deficiências da investigação original, mas os avanços foram
pífios. A abertura de processo na semana passada sugere o pleno funcionamento
das instituições e alimenta a esperança de punição aos culpados.
Na prática, porém, fica a impressão de que, mais
uma vez, tudo vai terminar na conta de um bando de inconsequentes — ou
aloprados, como preferem alguns.
Colaborou Hugo Marques
Colaborou Hugo Marques
Revista VEJA online. Rodrigo Rangel e Otávio
Cabral. Tuca
Vieira/ Folhapress; Dida Sampaio/ AE.
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