Entrevista
“O
brasileiro ainda é provinciano no sexo”, diz diretor de ‘Gabriela’. Gabriela (Juliana Paes)
e Nacib (Humberto Martins): "Ela gosta de transar, e é preciso representar
esse fogo", anota Mauro Mendonça Filho (Divulgação/TV Globo)
Não se pode dizer que toda a liberdade de Gabriela ainda choque alguém que, desavisado,
assista à nova adaptação do romance de Jorge Amado, exibida no horário das 23h
da Globo.
Espanto mesmo é perceber que 37 anos depois da
primeira Gabriela, 26 anos depois de Dona Beija e 22 anos depois de Pantanal, a nudez e o sexo na TV aberta ainda
causam tanto barulho, curiosidade e piadas, especialmente nas redes sociais.
“Acho que o brasileiro ainda é provinciano em assuntos de sexo”, diz o diretor
Mauro Mendonça Filho em conversa com o blog.
Com obras que marcaram época no currículo,
como Renascer (1993) e Dona Flor e Seus Dois Maridos (1998), o
diretor vem testando limites desde o ano passado, quando comandou o remake
de O Astro, que inaugurou o horário das 23h como um
espaço para “novelas adultas”.
Com uma carga de sensualidade que não havia no
original de 1978, não é exagero dizer que a novela acabou chamando mais atenção
pelo desfile de beldades como Ellen Roche e Guilhermina Guinle do que pela
história do protagonista Herculano Quintanilha (Rodrigo Lombardi).
“Em O Astro, a gente
testou os limites da ousadia – e há limite. Mas Gabriela é naturalmente mais
ousada, a história pede essa sensualidade mais marcada”, observa.
A começar pela luz e a ambientação, O Astro e Gabriela são
totalmente diferentes. Fora o horário, você vê uma identificação entre os dois
projetos que comandou?
O Astro se aproxima mais
de Gabriela do que o contrário. O Jorge Amado
sempre foi um autor adulto, que sempre desmascarou a hipocrisia, seja
sexual, política ou de exploração da miséria.
A primeira versão de Gabriela já foi uma novela das 22h. Jorge
Amado tem sido pouco adaptado no cinema, e a televisão tem a vantagem de que
tudo pode parecer muito novo, então ele pode ser novidade para muita gente.
Ao mesmo tempo, a obra dele já carrega uma marca
audiovisual da qual é difícil fugir.
Sim. Quando você fala em Ilhéus, tem logo aquela
malemolência que é quase um clichê de Jorge Amado e Dorival Caymmi, mas que é
verdadeira, é uma coisa que se sente quando se chega na Bahia. E é uma história
de 1925, então você tem de contextualizar.
Se você tem duas meninas dentro de um quarto
conversando, tem de conseguir ilustrar a solidão feminina numa sociedade
dominada pelos homens. Não tem cena fácil… Se o cara vende um exemplar de O Crime do Padre Amaro para a menina, a cena tem
de conseguir passar o que o livro representava na época – é difícil pra burro.
É justo que Gabriela seja
considerada mais sensual do que O Astro?
Em O Astro, a gente
testou os limites da ousadia – e há limite. Mas Gabriela é naturalmente mais ousada, a
história pede essa sensualidade mais marcada.
Ainda que seja uma sensualidade mais ingênua,
digamos?
Não sei se mais ingênua, mas livre de preceitos…
Gabriela é uma mulher que foi deflorada pelo tio, ela não sabe o que é certo e
errado nesses assuntos. Ela é dona de si, e é preciso representar essa
liberdade, essa sensualidade e esse fogo. Ela gosta de transar – vê um moço
bonito e transa.
Ainda se julga as mulheres por esse tipo de
comportamento, o que é muito hipócrita. Ao mesmo tempo, a história se passa
numa época em que honra de marido traído se lavava com sangue, então a
sensualidade das mulheres era muito reprimida – quando aparecia, era forte… Por
isso, o bordel Bataclan tem de ser sensual, porque é o contraponto daquela rigidez
toda que as mulheres viviam.
As cenas quentes de O Astro causaram
muito barulho, como agora acontece com as deGabriela. Como você vê essa
reação?
Não estava previsto aquela sensualidade toda
em O Astro, não estava no papel. Foi uma coisa da
minha batuta, eu achei que deveria pisar no acelerador para caracterizar a
novela como uma obra mais adulta. Acho que o brasileiro ainda é provinciano com
assuntos de sexo.
Faz muita piada, tem muito voyerismo, há muita
sensualidade e nudez, mas na hora H, de se abrir e se colocar, é muito
hipócrita. A sociedade precisa se desenvolver mais, precisamos educar nossos
filhos sem tabu. Acredito nisso piamente. Sexualidade é absolutamente normal.
Já fomos menos puritanos?
A gente vive ciclos, né… Ciclos de liberdade e
outros de menos liberdade, e a TV reflete esses ciclos. Já vivemos tempos de
mais liberdade, então nada mal quebrar um pouco essa barreira com obras
como O Astro e Gabriela…
Afinal, estamos falando para 30 milhões de pessoas e isso pode formar opinião. É
bom pisar um pouco no acelerador e quebrar um pouco o politicamente correto. E
o horário permite
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