A recessão abateu a economia brasileira como um todo em 2015, e
não foi diferente com o mercado editorial. Segundo dados da consultoria GfK, o
setor de livros registrou queda de 2,8% no volume de vendas entre janeiro e
setembro de 2015, em relação ao mesmo período do ano passado.
Um nicho, porém, vem resistindo firme e forte a esse
desequilíbrio: o ramo dos livros de autoajuda. As vendas de títulos como
Ansiedade - Como Enfrentar o Mal do Século (Saraiva), Casamento Blindado
(Thomas Nelson Brasil) e O Segredo (Ediouro) cresceram 5,9% entre janeiro e
setembro deste ano, em comparação com igual intervalo de 2014.
Isso porque, em vez de sair prejudicada, essa fatia do mercado
parece ter se beneficiado do quadro econômico hostil. É nisso que apostam
especialistas ouvidos pelo site de VEJA.
Para Vera Rita de Mello Ferreira, professora de psicologia
econômica da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras
(Fipecafi), a ansiedade provocada pelo medo de perder o emprego, entre outros
temores que grassam nos períodos de retração econômica, é um fator que pode
ajudar na venda de livros.
"O mercado editorial sempre vai acompanhar o que está
acontecendo na sociedade e na economia. Livros sobre como ficar milionário vão
'bombar' em tempos de bolha no mercado financeiro. Já em tempos de crise, as
pessoas geralmente ficam angustiadas e buscam uma espécie de palavra mágica que
as ajudem a sair dessa situação", diz.
Omar de Souza, publisher da Thomas Nelson, que publica livros de
autoajuda com orientação cristã, concorda. "Com um cenário complicado,
tempestuoso, é natural que as pessoas se sintam frustradas. A autoajuda dá
esperança, um alento para que seu público não deixe o sonho morrer", diz.
"Além disso, com o movimento econômico mais lento, muitas
pessoas estão desempregadas ou trabalhando menos, portanto, têm mais tempo
livre para ler", afirma a professora Vera. De acordo com ela, esses
períodos também beneficiam atividades escapistas - tal como aconteceu no
primeiro semestre do ano, com o fenômeno dos livros para colorir.
"A coisa estava tão feia que as pessoas precisaram de um
desenho bonitinho para pintar, para esquecer a vida e os problemas e
relaxar", afirma.
Segundo Lucas Jun Sakajiri, responsável pelo Painel de Livros
GfK Brasil, o crescimento das vendas no setor de autoajuda pode ter paralelo
com o que é conhecido como "efeito batom", conceito criado pelo
empresário americano Leonard Lauder durante a crise econômica do começo dos
anos 2000 para designar o aumento da procura por cosméticos durante períodos
difíceis da economia.
De acordo com Lauder, nesses momentos, as pessoas tendem a
trocar a compra de bens duráveis e mais caros pela compra de cosméticos, que
são mais baratos e prometem um efeito belezura na autoestima.
"O aquecimento da autoajuda poderia estar relacionado com o
fato de esses livros terem um preço menor e o objetivo declarado de fazer com
que as pessoas se sintam melhor", afirma Sakajiri. Segundo a GfK, o preço
médio dos livros de autoajuda ficou em 25,62 reais durante os primeiros nove
meses de 2015, enquanto o mercado geral teve um preço médio de capa de 33,75
reais, mesmo quando se desconsideram, do levantamento, livros de Direito, os
didáticos e aqueles voltados para concursos públicos, que costumam ser caros.
Sakajiri cita o sucesso de obras isoladas, como Não se Apega,
Não e sua sequência, Não se Iluda, Não, de Isabela Freitas, dois fenômenos
editoriais do ano, como outra causa para o crescimento do setor.
Marcos Pereira, um dos sócios da Sextante, a editora por trás de
títulos famosos de autoajuda, comoNunca Desista de Seus Sonhos, de Augusto
Cury, e O Monge e o Executivo, de James C. Hunter, concorda com essa tese.
"Eu não consigo dizer que vejo esse movimento do mercado, a
partir da Sextante. Acho que existe aí uma questão relacionada aos títulos,
como o da Isabela Freitas e O Poder da Escolha (Editora Vida e Consciência), da
Zibia Gasparetto, que fizeram muito sucesso neste ano", diz Pereira.
"A Sextante ficou por quase dez anos na total liderança
desse nicho, de 1998 a 2007, período em que o país estava se desenvolvendo
economicamente."
Livros de autoajuda mais vendidos de 2015
Desenvolvimento pessoal
Aqueles que buscam os livros de autoajuda, em geral, querem algo
além de relaxar. "Nessas épocas, as pessoas procuram livros que as ajudem
a superar a crise, querem alguma coisa que inspire e facilite o seu
desenvolvimento pessoal.
Querem saber como lidar com desemprego e inflação, por
exemplo", diz Ismael Borges de Sousa, coordenador do Bookscan da Nielsen,
que monitora o mercado editorial. No painel da empresa, o crescimento em vendas
da autoajuda foi de enormes 45,37%, de janeiro ao começo de outubro, em relação
ao mesmo período de 2014.
O número astronômico se deve, em parte, à metodologia da
Nielsen, que considera alguns livros para colorir como autoajuda - aqueles que
dão uma indicação, em sua capa ou contracapa, de que são
"terapêuticos", comoJardim Encantado e Fantasia Celta (ambos da
Editora Alaúde).
De acordo com Vera, parte dessa população angustiada com a crise
econômica quer "se desenvolver" e procura nos livros de autoajuda um
atalho para isso.
"Em alguns casos, as pessoas não estão interessadas em
construir, pouco a pouco, uma trilha para o seu desenvolvimento pessoal,
fazendo uma faculdade, por exemplo, que é um curso de, no mínimo, quatro anos.
Não há a vontade de estudar muito, se empenhar para crescer, mas sim a de
encontrar um caminho fácil.
E aí surge o livro de autoajuda", diz a professora. Omar de
Souza, da Thomas Nelson Brasil, complementa o raciocínio: "Enquanto livros
de ficção, por exemplo, podem tratar de problemas pessoais e profissionais de
maneira mais sutil, usando de subterfúgios, a autoajuda vai direto na questão.
Você sabe que o leitor desse gênero está procurando algo que
tenha uma relação imediata com o problema dele".
Autoajuda para dois
A crise também pode estar salvando casamentos - e com a
contribuição dos livros de autoajuda. A advogada de direito da família Diana
Poppe vem observando uma queda no número de divórcios neste ano e acredita que
isso pode estar relacionado à crise econômica.
"A procura para esse tipo de caso continua a mesma, mas a
tomada de decisão tem sido mais devagar e menos efetiva. Com um país em crise,
as pessoas pensam nas dívidas que vão contrair ao se divorciar.
Além dos honorários do advogado, elas vão ter que sustentar duas
casas em vez de uma, ou uma sozinhas, caso se separem", afirma.
"A crise acaba beneficiando as reconciliações. Alguns,
claro, vão se separar de qualquer jeito ou esperar a economia melhorar para
isso, mas outros vão tentar salvar o casamento." Para a advogada, o
contexto influencia a forma como as pessoas enxergam a família.
"As possibilidades individuais crescem junto com a
economia. Se lá fora não estamos em um bom momento, você tenta se valer mais do
seu contexto seguro de família. Os casais se amparam um no outro para aguentar
a tensão."
Quando problemas pessoais ou ligados a relacionamentos surgem,
as pessoas tendem a procurar uma solução antes de tomar medidas drásticas. Para
Omar de Souza, da Thomas Nelson, a leitura de livros de autoajuda pode ter um
papel aí. "Para os evangélicos, o divórcio é sempre o último recurso, por
toda a questão religiosa.
Mas o não evangélico ou o não religioso também entende que, em
momentos como esse, o divórcio não é uma solução simples", afirma.
"Um dos nossos livros, Casamento Blindado, pode ser
perfeito para essas pessoas, que precisam racionalizar em momento de
crise", vende.
Renato e Cristiane Cardoso, o casal por trás do hit literário
Casamento Blindado, que já vendeu mais de 2,5 milhões de cópias, também faz a
aposta. "Quando o homem considera o divórcio, o baque financeiro costuma
fazê-lo repensar a decisão. Nesses tempos de crise, mais ainda. A mulher também
pensa muito este lado, mas suas considerações normalmente são mais familiares e
emocionais.
Ambos então costumam tentar 'mais um pouco' e é aí que um livro
como Casamento Blindado tem entrado na história desses casais, em muitos casos
com ótimos resultados", afirmaram, em resposta conjunta, Renato e
Cristiane, que é filha do bispo Edir Macedo, dono da emissora onde os dois têm
um programa sobre relacionamentos que teria servido de base para o best-seller,
Escola do Amor.
Site VEJA online. Por: Meire Kusumoto.
Biblioteca da Universidade de Bolton(VEJA.com/Divulgação).
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