Cunha aceita pedido de impeachment de Dilma Rousseff.
Presidente da Câmara acatou argumentos da peça
apresentada pelos juristas Hélico Bicudo e Miguel Reale. Seguimento do processo
agora terá de ser votado em plenário.
A crise política que o governo Dilma Rousseff
atravessa atingiu nesta quarta-feira seu mais alto grau até agora: o presidente
da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), aceitou o pedido de
impeachment contra a presidente. Cunha deu aval à representação ingressada no
dia 21 de outubro pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína
Paschoal e que foi endossada por partidos de oposição.
A decisão se dá justamente no dia em que a bancada
do PT fechou questão pela continuidade das investigações contra Cunha no
Conselho de Ética, que podem dar ensejo à perda do seu mandato.
Pressionado pela militância, a bancada acabou por
ir contra os interesses do Palácio do Planalto, que trabalhava para poupar o
peemedebista do processo de cassação - ao negar a Cunha os três votos que o
salvariam no colegiado, a legenda acabou por selar também o destino de Dilma.
Pouco depois do anúncio petista, o
gabinete de Cunha foi palco de um verdadeiro
entra e sai de deputados:
o peemedebista convocou aliados e membros da oposição para informá-los de que
estava decidido a anunciar uma decisão até hoje e consultar os parlamentares
sobre o caminho a seguir.
Instaurou-se, então, um clima de
grande expectativa. Participaram das reuniões com o presidente da Casa o
ex-deputado Sandro Mabel (PL-GO) e os deputados Paulinho da Força (SD-SP),
Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), Jovair Arantes (PTB-GO), Eduardo da Fonte (PP-PE)
e Mendonça Filho (DEM-PE).
Além do impeachment, os parlamentares
discutiram alternativas para barrar o seguimento do processo contra Cunha no
Conselho de Ética. A oposição, então, se reuniu no gabinete do PSDB.
Segundo aliados do peemedebista, a
decisão de hoje de deve justamente ao quadro desenhado para ele no Conselho de
Ética. Ainda assim, na coletiva que convocou para anunciar seu parecer, Cunha
disse que não o fez por vingança.
"Tenho certeza de que os
juristas que leram o parecer vão entender que não me cabia outra decisão",
afirmou. "Nunca na história de um mandato houve tantos pedidos de
impeachment", completou.
Parlamentares petistas imediatamente
reagiram à decisão de Cunha, e classificaram o ato como
"revanchismo". "Eu não tenho a menor dúvida de que essa bravata
será barrada", afirmou o petista Wadih Damous.
A legenda ainda não definiu como vai
agir a partir de agor, mas estuda levar a questão ao Supremo Tribunal Federal.
O documento protocolado pelos
juristas traz uma série de alegações técnicas e jurídicas para sustentar os
argumentos de que a petista deve perder o cargo por ter cometido crimes de
responsabilidade ao incidir na prática das chamas pedaladas fiscais.
Processo
A autorização de Cunha é apenas o
primeiro passo para o processo de impeachment. Agora, deve ser criada uma
comissão composta por representantes de todas as bancadas da Câmara para emitir
um parecer favorável ou contrário à continuidade da ação e será aberto prazo
para a presidente apresentar sua defesa.
O processo ainda precisa ser colocado
em votação pelo presidente da Câmara e aceito por pelo menos dois terços dos
deputados - ou seja, 342 congressistas.
Mas com a popularidade no chão, a
economia em frangalhos, acuada pelos tribunais e sem apoio no Congresso, Dilma
terá dificuldades para evitar a abertura do processo.
Os juristas apresentaram dois pedidos
de afastamento de Dilma Rousseff. O último deles, protocolado no fim de
outubro, foi atualizado com a acusação de que as chamadas pedaladas fiscais, já
condenadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), se perpetuaram também neste
ano - ou seja, no atual mandato.
Isso pavimentou o caminho para a
admissão do pedido, uma vez que Cunha havia dito que não aceitaria nada que não
dissesse respeito ao mandato iniciado em janeiro.
Na peça que pede o impedimento de
Dilma Rousseff, os autores citam ainda a corrupção sistêmica desvendada pela
Operação Lava Jato e dizem que a ação da Polícia Federal "realizou
verdadeira devassa em todos os negócios feitos pela Petrobrás, constatando, a
partir de colaborações premiadas intentadas por Paulo Roberto Costa e Alberto
Youssef, que as obras e realizações propaladas como grandes conquistas do
Governo Dilma não passavam de meio para sangrar a promissora estatal que,
atualmente, encontra-se completamente descapitalizada e desacreditada".
O fator Cunha
Na tentativa de evitar a decisão que
se deu hoje, o Palácio do Planalto havia dado início a negociações com Cunha,
um desafeto de Dilma Rousseff: agiria para poupá-lo da cassação em troca do
engavetamento do processo de impeachment.
O acordo se tornou explícito quando o
peemedebista adiou o anúncio de sua decisão, mesmo tendo garantido que o faria
até o fim de novembro.
Enquanto isso, seus aliados, com a
ajuda de petistas, encaixavam sucessivas manobras para adiar a votação, no
Conselho de Ética, do parecer do relator Fausto Pinato (PRB-SP) que pede o
prosseguimento das investigações contra Cunha.
Eleito em fevereiro após concorrer
com o candidato petista Arlindo Chinaglia (SP), o peemedebista impôs uma série
de derrotas ao Planalto e autorizou a criação de CPIs para pressionar a gestão
petista.
A proposta do impeachment passou a
ser colocada na mesa depois que o presidente da Câmara foi alvo de denúncia
pelo Ministério Público no escândalo do petrolão. Para Cunha, o governo, em
busca de retaliação, teve influência na ação da Procuradoria.
Rompido com o Planalto desde o
episódio, Cunha se aproximou ainda mais da oposição e passou a fazer reuniões
em sua casa para discutir o andamento do processo de impeachment.
Um acordo para rejeitar o pedido e,
em seguida, pautar um recurso em plenário chegou a ser ventilado. No entanto, a
situação foi revertida após o peemedebista se enrolar ainda mais na Lava Jato e
aparecer como proprietário de contas na Suíça.
Sem se posicionar sobre o afastamento
de Dilma, Cunha acabou abandonado pelo PSDB e passou a negociar com o governo
para salvar o seu próprio mandato. O acordo de proteção mútua foi articulado
pelo ex-presidente Lula, que defendeu a petistas a necessidade de poupar Cunha
para salvar o mandato de Dilma. Diante da avalanche de indícios contra Cunha,
porém, a pressão sobre o presidente da Câmara não deu trégua.
As derrotas de Dilma
Também não cessou o desgaste da
presidente Dilma Rousseff: ela acumula desde outubro importantes derrotas no
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no Supremo Tribunal Federal (STF), no
Tribunal de Contas da União (TCU) e no Congresso.
O TSE reabriu uma ação que pode
resultar na cassação do mandato de Dilma e do vice Michel Temer, acusados pelo
PSDB de abuso de poder político e econômico na eleição do ano passado.
Já o TCU reprovou as contas de 2014
da presidente e recomendou ao Congresso que faça o mesmo. Dilma foi formalmente
acusada de usar bancos públicos para cobrir despesas da União, o que é proibido
por lei - pouco antes, o STF havia negado pedido do Planalto para suspender o
relator do caso, ministro Augusto Nardes.
Há dois meses, amargando a pior
avaliação popular da história, a presidente afastou seus ministros mais
próximos e nomeou pessoas ligadas a Lula e ao PMDB. Na semana seguinte, sofreu
duas derrotas na Câmara.
Com o país mergulhado na crise
política, o vendaval econômico não deu trégua. Nesta terça-feira o IBGE
informou que Entre janeiro e setembro, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro
encolheu 3,2%.
Esse é o pior desempenho da economia
brasileira para esse período desde o início da série histórica, em 1996.
Reportagem
de VEJA publicada no início deste mês
revelou que o vice-presidente Michel Temer (PMDB) se prepara para a
possibilidade, cada dia mais real, de Dilma Rousseff ser afastada do poder.
Temer já conversa com políticos,
juristas e empresários enquanto traça um plano para si e para o Brasil
pós-Dilma.
Sem apoio popular nem parlamentar,
diante de um cenário de recessão e inflação, a presidente Dilma já há muito não
governa - apenas se sustenta no cargo. Agora, contudo, ficará mais difícil
fazê-lo até 2018.
Por:
Marcela Mattos. A presidente Dilma Rousseff(Ueslei Marcelino/Reuters).
Revista VEJA online.
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