Por que salvar as abelhas.
A drástica redução, em todo o mundo, da quantidade
desses insetos desperta preocupação porque, além da importância que têm para a
biodiversidade, eles são responsáveis pela polinização que garante a existência
de quase 40% dos alimentos consumidos por nós — muito mais que o mel, portanto.
51,92%
- Foi quanto diminuiu o número de colmeias, de 1940 até hoje, nos EUA, o país
mais afetado pelo problema
As picadas dolorosas e o zunido
insistente no ouvido fazem com que, geralmente, as abelhas não sejam lembradas
de maneira amistosa - a despeito das delícias do mel. E com uma ressalva
fundamental: o mel está longe de ser a grande contribuição das abelhas para a
humanidade.
Sem elas, metade das gôndolas de
alimentos dos supermercados estaria vazia. Por meio da polinização, esses
insetos promovem o seu maior impacto na biodiversidade e na produção dos
alimentos: 35% das lavouras e 94% das plantas silvestres dependem dessa
atividade.
A má notícia é que esse, por assim
dizer, "serviço ecológico" está em risco diante de um fenômeno
batizado de desordem do colapso das colônias.
De 1940 até hoje, o número de abelhas
diminuiu de forma drástica no mundo - nos Estados Unidos, o país mais afetado
pelo problema, caiu pela metade.
Ainda é misteriosa a razão por trás
desse sumiço, apesar de existirem fortes hipóteses. Na segunda-feira 22, a ONU
planeja chamar atenção para o assunto com a divulgação, em evento na Malásia,
do relatório Polinizadores, Polinização e Produção de Alimentos.
O documento, o primeiro fruto do
órgão internacional Plataforma Intergovernamental para Políticas Científicas
sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), procura identificar,
entre outros pontos, os motivos que levaram à desordem que faz sumir as
colônias e as possíveis soluções.
O trabalho é resultado do esforço
conjunto de 75 pesquisadores, de diversas nações. VEJA teve acesso a
informações presentes no documento.
Ele combina o conhecimento acadêmico
que se tem sobre as abelhas e os demais animais polinizadores (como outros
insetos, aves e morcegos) e suas contribuições, traz exemplos de boas práticas
para a proteção das espécies e propõe soluções para a situação adversa - como a
adoção de políticas ambientalistas.
"É um tópico de enorme
importância política, visto que o desaparecimento das colônias pode afetar
negativamente a economia, além da dieta de cidadãos, de um país", ressalta
a bióloga Vera Lúcia Fonseca, do Instituto de Biociências da Universidade de
São Paulo (USP) e diretora do IPBES, o órgão da ONU.
"Antes de tudo, o relatório
procura conscientizar a todos da importância dos polinizadores, além de
promover a união de governos para protegê-los", completa Vera.
Não é por acaso que a pesquisadora
faz referência aos danos econômicos potenciais da desordem. Estima-se que um
mercado de 218 bilhões de dólares anuais depende do serviço de polinização
prestado pelas abelhas.
Os Estados Unidos, o maior exportador
agrícola do mundo, perderiam 15 bilhões de dólares por ano com a intensificação
do problema - no Brasil, o prejuízo seria de 12 bilhões de dólares. Isso
explica por que, em junho de 2014, o presidente americano Barack Obama
transformou o alarme em questão de Estado, ao anunciar a criação de uma
força-tarefa, composta de cientistas e políticos, para ir atrás de respostas.
Os estudiosos ainda investigam qual
seria a raiz do problema. Acredita-se que sejam dois os principais fatores: a
disseminação do uso de pesticidas, que enfraquecem as colônias, e a ação de
parasitas, como o varroa, ácaro que ataca o organismo do animal, e o Acarapis
woodi, que afeta o sistema respiratório.
Entretanto, há consenso de que não
existe apenas uma razão (ou duas), e sim um somatório que acabou por construir
um cenário cruel para os insetos.
As abelhas estão perdendo seu hábitat
quando florestas e jardins dão lugar a construções ou mesmo a plantações de uma
única cultura - a espécie necessita de alimentação variada para sobreviver.
As intensas mudanças climáticas pelas
quais passa a Terra, em consequência do aumento da emissão de gases do efeito
estufa pelo homem, também colaboram para o desaparecimento dos insetos. As
estações menos definidas, além das elevações e quedas bruscas na temperatura e
na umidade, acabam por bagunçar o ciclo de florescimento das flores, das quais
as abelhas são dependentes.
Os Estados Unidos são tidos como o
país que mais vem se movimentando para combater o ritmo da desordem. O comitê
criado por Obama apresentou no ano passado o documento Estratégia Nacional para
Promover a Saúde das Abelhas e Outros Polinizadores.
Nele, estabeleceu-se como meta
reduzir a baixa de abelhas durante o inverno a no máximo 15% em dez anos -
hoje, a taxa é de 23%. Nas últimas décadas, após o inverno, as colônias não têm
conseguido recuperar-se desses períodos de perda.
Caso a diminuição das colônias seja
menor nas estações de frio, o efeito esperado é que elas consigam se
restabelecer na primavera e no verão. Também se planeja aumentar a presença de
outros polinizadores, como a borboleta-monarca.
O governo americano calcula que haja
atualmente 30 milhões de exemplares dessa espécie colorida na América do Norte,
diante dos 970 milhões que existiam em 1996. O que se espera é reverter a
queda, alcançando ao menos o número de 225 milhões.
Entre as estratégias para proteger os
polinizadores está, por exemplo, a restauração de 28 000 quilômetros quadrados
(o equivalente ao território do Havaí) de seus hábitats nos próximos cinco
anos.
Por que o lado ocidental do
Hemisfério Norte tem sido mais prejudicado que o restante do planeta? O motivo
é a dependência das plantações americanas e europeias de apenas um tipo de
abelha, a Apis mellifera.
Importada da África e da Ásia para a
polinização de plantações comerciais, a espécie ganhou a preferência de
apicultores por não ser agressiva e manter colônias enormes e resistentes.
Agora, porém, ela é a maior vítima da amedrontadora desordem.
Na França, por exemplo, 100 000
colônias de Apis mellifera foram perdidas desde 1995, e a taxa de mortalidade
das abelhas triplicou. Diante disso, Paris é uma das cidades que mais têm
adotado medidas conservacionistas. Em junho do ano passado, o município assinou
o protocolo Abelha: a Sentinela do Meio Ambiente.
Nele, a capital francesa se
comprometeu a proibir a venda de uma série de pesticidas, além de ampliar o
apoio à apicultura. Até 2020, planeja-se o plantio de 20 000 árvores em jardins
parisienses, além de 300 000 novos metros quadrados de espaços verdes - em
torno de um quinto da dimensão do Parque do Ibirapuera, em São Paulo.
Paris ainda é o centro urbano com a
maior presença de criadouros de abelhas da Europa, com um total de 600,
ocupando uma área de 4,6 quilômetros quadrados - parte deles instalada em tetos
de edifícios e casas.
Há indícios de que a redução no
número de abelhas esteja se repetindo, em ritmo acelerado, em outros locais,
incluindo países pobres. No entanto, muitas vezes os dados coletados não são
suficientes para corroborar a tese.
É o caso do Brasil, que não conta com
um histórico do número de abelhas em território nacional, de forma que os
pesquisadores não têm como comparar o número atual com os anteriores.
Assim, ficam sem saber se a redução é
alarmante por aqui. "Mas há sinais de que também sofremos do mesmo
mal", afirma a bióloga Tereza Cristina Giannini, do Instituto Tecnológico
Vale Desenvolvimento Sustentável.
"Em pesquisas de campo,
descobrimos que existem regiões nas quais as plantações apresentam déficit de
polinização, refletido na baixa produção de frutas, flores e alimentos",
relata Tereza.
A favor do Brasil, contudo, pesa um
ponto que nos deixa em posição de vantagem ante a desordem. O país não é
dependente de apenas uma espécie, como ocorre com os Estados Unidos e a Europa.
Uma pesquisa da revista científica
Apidologie, especializada em apicultura, estima a existência de pelo menos 250
tipos de polinizadores em todo o território brasileiro, dos quais 87% são de
abelhas.
Por que, então, mundo afora, apesar
da essencialidade desses insetos para o equilíbrio do meio ambiente, as
campanhas de proteção a eles não recebem tanta atenção quanto as destinadas aos
ursos-polares ou aos elefantes-africanos, por exemplo?
Explicou a VEJA a bióloga americana
Heather Mattila, do Wellesley College: "O modo de funcionar do nosso
sentimento de empatia está no centro desse dilema. Sentimo-nos próximos de animais
parecidos conosco, grandes mamíferos que vivem em grupos e interagem
socialmente.
Devíamos, porém, olhar direito para
as abelhas. Elas trabalham duro para alimentar suas crias, organizam-se em
colônias e até se preocupam com a higiene e a segurança de suas casas.
Não devia ser tão difícil para o
homem identificar-se com esses elementos". O.k., se o fator da empatia não
funcionar com as abelhas, lembre-se então de quanto elas são fundamentais para
garantir a existência de grande parte dos alimentos que chegam à nossa mesa.
Perto disso, um zumbido chato não é nada.
Por: Raquel
Beer. (Gilles Choen/VEJA)
Revista VEJA online.
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