A culpa é do nosso caráter nacional
Poucos se lembram, mas na década de 1950 dizia-se que o Brasil
só crescia enquanto dormia. Como se fosse uma criança, por certo. Havia muitas
referências ao Brasil ser um país novo.
Só tinha 460 anos de fazimento, por exemplo. Aí, quando se o
comparava aos Estados Unidos, que só começou a ser inventado mais de 100 anos
depois, o argumento caía. Eles são até mais novos e já mandam na gente.
Nós nos achávamos, nós éramos umas crianças alegres, com pouco
senso de responsabilidade, e éramos festejados por isso, veja como Walt Disney
nos fez o Pagagaio Zé Carioca.
Ao acordar de seu sono produtivo haveria sempre alguém
desfazendo aquilo que havia sido feito à noite, no sonambulismo nacional. Azar,
sempre um calhorda no meio do caminho.
Em virtude de serem feitas à noite, portanto, as coisas também
não saíam tão bem feitas assim. E a fama de nossa indústria corria solta, é
nacional, coisa sem valor, preterida sempre pelo que vinha de fora.
O desenvolvimento noturno era metáfora de um fazer malajambrado
e sem capricho, fazer na doida, nas coxas, passando o trator. Daí é que aquilo
que vinha para aliviar as agruras da vida, aumentar o bem-estar, terminava
desunerando, precisando complementação, reforma, jeitinho.
Faz-se um posto de saúde para um bairro aqui e logo faltará
médico. Alguém esqueceu de pôr na planilha a presença de médicos ou
simplesmente eles faltam? Constrói-se uma estrada ali e logo surgirão os
buracos para quebrar feixes de mola e provocar acidentes. Se o asfalto ficar
por algum tempo um tapete, as mortes virão por atropelamento.
Mutatis mutandi, que diferenças vivemos agora, hein? Alguém quer
um computador nacional ou um Mac importado? Já que temos estrada, por que não
comprar mais um carro novo para se engarrafar nos fins de semana e feriados?
E os ônibus, trens e metrôs que nos levam de casa ao trabalho
vieram ou não para facilitar nossas vidas? E os milhares de hospitais, postos
de saúde e as escolas com ipads, os pontos de cultura dão ou não dão conta de
nossas necessidades básicas?
A democracia é um valor político acima de qualquer outra forma
de governança, mas que meleca de Congresso nós mesmos elegemos?
Queremos oportunidades iguais para todos, mas de que patamar
saímos para a concorrência leal? Alguém aí vai largar o osso do privilégio de
classe ou de político ou de burocrata dono do carimbo?
Enfim, fazemos o que fazemos e terminamos sempre nos dando mal.
Alguma coisa acontece nesse coração de brasileiro antes de cruzar a Ipiranga
com a Av. São João. É o nosso caráter, dizem.
Brasileiro é mal caráter ou de caráter duvidoso? Sem definir o
que é caráter, algo que aparentemente todo mundo sabe o quê é, acontece que
muitos brasileiros acham que a culpa final de nossas mazelas está na falta de
caráter do brasileiro.
Isso vale sobretudo para os políticos e os empresários, mas
também, de acordo com o gosto do freguês, trabalhador e classe média também não
valem o que pesam não.
Do ponto de vista de quem fala, o vizinho certamente pode ser
mal caráter, o dono da padaria recebe esse epíteto com freqüência; só escapa
ele próprio, uns familiares e uns conhecidos a mais, talvez. Sempre são os
outros que têm caráter duvidoso.
Há uma frase sensacional, por poeticamente antecipatória dos
tempos, de Gonçalves Dias, poeta romântico, proponente de um Brasil diferente,
ainda em 1849, que dizia que o “caráter nacional brasileiro ainda era pouco
desenvolvido”.
O poeta acreditava que esse caráter vinha sobretudo e
positivamente dos índios. Dito, bem dito e nunca mais redito. O poeta sabe
muito, mas é difícil de saber por que modos a influência do índio ajudou a
formar nosso mal desenvolvido caráter.
Fica tudo no ar, por enquanto. Vou pensar nisso, no caráter dos
portugueses, dos negros e dos imigrantes recentes e ver em que ponto poderemos
chegar. Existe um caráter nacional?
Site Yahoo
Brasil. Por Mércio P. Gomes.
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