ENTREVISTA.
Ministro do STF afirma que o País se estabilizará depois do
impeachment e avalia que sem a Lava Jato o PT iria se eternizar no poder
O ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, quer
aproveitar seu mandato na presidência do Tribunal Superior Eleitoral, assumido
há três semanas, para discutir uma reforma política no Brasil.
Ele acredita que, sem ela, casos de corrupção como o do Petrolão
podem continuar levando o País a “uma democracia falseada” onde, segundo ele,
“só uma força política cria condições de disputar e ganhar as eleições”.
Mendes explica, numa referência clara ao PT: “Porque só ela
disporia de recurso. Esse era o modelo desenhado a partir da apropriação das
empresas e do modelo de governança que se instalou e se desenvolveu em relação
a empresas estatais como a Petrobras”, afirmou.
Segundo o ministro, o discurso de que “a Petrobras é nossa”,
entoado por partidos ligados ao governo, permitiria outra leitura: “A Petrobras
é ‘nossa’? ‘Nossa’ quem, cara pálida?”. Para Gilmar Mendes, a resposta encerra
o óbvio ululante: “’Nossa’, do partido (PT), e nós podemos nos apropriar da
Petrobras”.
ISTOÉ – Advogados do PT pretendem
entrar com arguição de suspeição contra o sr. em processos que envolvam
qualquer tema relacionado ao PT, à presidente afastada Dilma Rousseff e ao
ex-presidente Lula. Eles estão fazendo um levantamento de suas manifestações,
declarações e votos.
Gilmar Mendes – Não estou
muito preocupado com isso, não. O Supremo Tribunal Federal hoje é composto por
11 ministros. A presidente Dilma até fez uma declaração esses dias dizendo que
o Tribunal era composto por 12 ministros, mas são 11 e há muito tempo, né? Desses,
oito foram indicados pelo governo do PT. Seriam eles todos suspeitos?
ISTOÉ – O argumento é o de que seu
posicionamento seria muito crítico aos desmandos do PT…
Mendes – Eu tenho criticado os
desmandos da política, inclusive no meu discurso de posse eu ressaltei os
graves problemas com os quais nós estamos nos acostumando e que distorcem
profundamente a luta política e a própria democracia. Não faço distinção de
forças partidárias. É notório que empresas estatais, como a Petrobras, foram
utilizadas por partidos que estavam no governo para fins extravagantes. Isso
precisa ser reprimido, censurado, criticado e desse ponto não me afasto.
ISTOÉ – Como resolver isso?
Mendes – Sou uma das vozes que
se levanta em prol da necessidade urgente de uma reforma política, para evitar
a repetição dessa situação. Se esse quadro tivesse se perpetuado, muito
provavelmente nós estaríamos muito próximos de um modelo de uma democracia
totalmente falseada. Em que só uma força política cria condições de disputar e
ganhar as eleições, porque só ela disporia de recurso. Esse era o modelo
desenhado a partir da apropriação das empresas e do modelo de governança que se
instalou e se desenvolveu em relação a empresas estatais como a Petrobras.
Conversei com Temer sobre a vida institucional. Enfatizei a
necessidade de dar sequência à reforma política e ele concordou
ISTOÉ – O sr. está dizendo que,
até pouco antes da Lava Jato, vivíamos em uma democracia falseada?
Mendes – O País tem uma economia
complexa, diversificada, o que dificulta a submissão da sociedade às
determinações de uma dada força política e, portanto, isso não ocorreu. Temos o
exemplo da força do agronegócio, em que há uma livre iniciativa forte. Mas
houve um tipo de estatização da economia em relação à construção. Só
construíram as empresas que estivessem vinculadas a dado objetivo partidário.
Instalou-se um tipo de capitalismo de partido e foi isso que observamos pelos
casos que as investigações estão revelando. O Estado tem uma força muito grande
na economia de forma direta, com as estatais, ou indireta, com os fundos de
pensão, por exemplo. Hoje, nós temos como retrato o quê? As empresas estatais
falidas, os fundos de pensão com imensos déficits, com sinais de má gestão e de
improbidade…
ISTOÉ – Há também um mesmo partido
eleito quatro vezes…
Mendes – Isso poderia se eternizar
com esse tipo de prática. Tenho a impressão de que já tinha havido informações
básicas sobre o modus operandi no caso do mensalão. E hoje percebemos que o
Petrolão nada mais é que uma réplica mais sofisticada e mais ousada do
mensalão. Temos o debate no Brasil sobre mais Estado, menos Estado, no que diz
respeito às empresas estatais, mas o discurso de que “a Petrobras é nossa”, que
era feito por muitas vozes de partidos ligados ao governo, permite talvez uma
outra leitura: “A Petrobras é ‘nossa’? ‘Nossa’ quem, cara pálida?”. A resposta
é qual? “’Nossa’, do partido, e nós podemos nos apropriar da Petrobras”.
Portanto, caminhamos para um modelo extremamente extravagante, que nada tem a ver
com a nossa Constituição.
ISTOÉ – No julgamento do mensalão
ficou a sensação de que o Brasil inaugurava um novo momento de combate à
corrupção. E, o que se viu na sequência foi o Petrolão, um esquema ainda mais
sofisticado. Depois da Lava Jato, teremos outra decepção?
Mendes – Temos que colocar isso na
agenda e chamar o distinto público, as pessoas que estão discutindo política na
rua, os manifestantes, para que deem atenção à reforma política. Eu tenho um
duplo sentimento em relação a tudo isso que está acontecendo. De um lado, um
sentimento positivo que foram as instituições que conseguiram por termo a esses
abusos todos. Mas tenho uma certa frustração e perplexidade em termos de
identificar a profundidade dessas mazelas. Acabamos por corromper o modelo da
Lei de Responsabilidade Fiscal, comprometer a ideia da verdade orçamentária e
financeira, que era um valor que o Brasil tinha incorporado. E acabamos por
envolver as estatais num sistema de governança notadamente corrupto.
ISTOÉ – Quando o senhor diz “acabamos”,
o sr. se refere ao governo da presidente Dilma Rousseff?
Mendes – O Brasil, né? Acabamos por
chegar a este estágio. Digo assim, como as instituições nesse ponto falharam. É
esse duplo sentimento: de um lado satisfação, mas também de que chegamos um
pouco tarde. Se tivéssemos sido mais efetivos e mais profusos nas investigações
em relação ao mensalão…
ISTOÉ – E por que isso não
aconteceu?
Mendes – Diversas razões. O próprio
quadro político, a saúde política daquele momento, a não sequência nas investigações.
Nunca se pode esquecer, por exemplo, que a CPMI dos Correios, agora muito
polêmica, tinha recomendado que o Ministério Público prosseguisse nas
investigações dos fundos de pensão. E tal não se deu. Falharam. Órgãos de
controle obviamente falharam. E claro também que se anestesiou um pouco a
opinião pública com um certo sucesso apresentado na economia. Foi um engodo.
Quando já não se tinha mais a situação confortável de bem-estar no âmbito
orçamentário financeiro, optou-se pela fraude.
ISTOÉ – As pedaladas e os decretos
da presidente Dilma configuram crime de responsabilidade?
Mendes – Essa é uma questão para
ser avaliada pelo Congresso Nacional. Mas a situação econômica na qual nos
encontramos é reveladora de que essas práticas distorcidas no âmbito
orçamentário não representam um pecado venial. Como resultado temos aí 11
milhões de desempregados, cortes de orçamento no Supremo, no STJ, Justiça
Eleitoral, depressão econômica. Isso é resultado de uma má gestão financeira e
econômica como um todo. Portanto, está longe de ser um erro contábil.
ISTOÉ – O sr. esteve com o
presidente em exercício, Michel Temer, no fim de semana. Sobre o que
conversaram? Trataram de Lava Jato e impeachment?
Mendes – Pedi essa audiência para
tratar da recomposição do orçamento do tribunal. Depois conversamos sobre a
vida institucional. Enfatizei a necessidade de dar sequência à reforma política
e ele concordou. Não falamos de Lava Jato e ninguém com o mínimo de informação
imagina que possa deter essas investigações.
Até o fim de
junho nós saberemos se temos ou não condições de julgar o processo da chapa de
Dilma no TSE este ano
ISTOÉ – A situação da gestão Dilma
era de ingovernabilidade. Agora temos um governo interino. Ele é governável?
Mendes – Com Dilma o Brasil não
tinha governo. Agora, já se tem uma equipe e as coisas começam a se delinear,
mas com grandes dificuldades. Não nos esqueçamos também que se trata de um
governo provisório enquanto existir esse processo de impeachment no Senado. O
cenário só se estabilizará depois que soubermos qual vai ser a decisão do
Senado sobre o impeachment.
ISTOÉ – Vai demorar para serem
julgadas as Ações de Impugnação do Mandato Eletivo da chapa Dilma-Temer no
Tribunal Superior Eleitoral?
Mendes – Até o fim de junho nós
saberemos se temos ou não condições de julgar esse processo ainda neste ano ou
no próximo.
ISTOÉ – O material reunido até
agora no TSE é contundente?
Mendes – Os elementos existentes
são bastante significativos, sem dúvida nenhuma. Agora, não sei qual é a
avaliação que o tribunal fará sobre esse tema. Em primeiro lugar, a afirmação
de que parte significativa dos recursos decorreu de propina…
ISTOÉ – É difícil provar isso?
Mendes – Vai
depender de como essa fase de instrução vai se dar. Temos alguns depoimentos
que indicam que há quase que um condicionamento para que quem tivesse contratos
em curso na Petrobras fizesse a doação. Temos também debates sobre caixa dois,
sobre a utilização de recursos para o pagamento do publicitário, que também
recebeu formalmente pelo caixa regular. Terão que ser considerados. No caso do
caixa dois, o que se fala é que determinadas empresas pagaram no exterior em
contas que estão sendo identificadas e as pessoas que receberam estão confirmando.
Nesse sentido, são provas que estão longe de ser impossíveis de serem colhidas.
ISTOÉ – Causou certa polêmica sua
decisão de devolver à Procuradoria-Geral da República o pedido de inquérito
sobre Aécio Neves. Por que o sr. tomou essa decisão?
Mendes – Na verdade, no caso – e
isso a opinião pública não sabe – o senador já havia recebido informações sobre
a abertura de inquérito e ofereceu por meio de seus advogados esclarecimentos e
manifestações contrários. Como de praxe, submeti à Procuradoria para sua
apreciação as informações da defesa que trazem elementos inclusive factuais,
que, em tese, podem tornar desnecessárias ou prejudicadas certas diligências já
deferidas, além de, eventualmente, ensejar novas apurações. Daí que suspendi as
diligências já deferidas até manifestação da Procuradoria. Nenhuma medida de
interrupção das investigações. Elas seguem de maneira absolutamente normal. Mas
como houve defesa antecipada de eventual investigado, simplesmente dei
conhecimento à Procuradoria, como é de rigor.
ISTOÉ – Na prática o que isso
muda?
Mendes – Se a Procuradoria entender
pertinente, pode adaptar, requerer novas ou simplesmente prosseguir com as
diligências já solicitadas. Não são incomuns casos em que diligências
requeridas são atendidas de pronto pela própria defesa, como a juntada de
certidões e documentos públicos que dispensam o ofício às autoridades
competentes. Nesse caso, porém, como todos os temas estão sendo analisados
emotivamente, há um certo escarcéu em torno de meros atos ordinatórios. Temos
que entender que a vida prossegue.
Débora
Bergamasco.
Revista
ISTOÉ online. Leia a reportagem completa na Revista ISTOÉ já nas bancas.


Nenhum comentário:
Postar um comentário