Solidão faz mal à saúde?
O que é, o que é? Tem sintoma, mas não é doença.
Faz mal à saúde, mas não é excesso de peso.
Pode até matar, mas não é tabagismo.
Acertou quem disse: solidão.
Parece brincadeira, mas o assunto foi alçado a
problema de saúde pública.
A primeira-ministra britânica, Theresa May, criou um ministério só para cuidar
do mal que ela define como “a triste realidade da vida moderna”.
Na terra da rainha, o isolamento social
involuntário atinge 9 milhões de cidadãos, algo em torno de 15% da população.
Desses, um em cada três, na casa dos 75 anos, afirma que o sentimento de não
ter com quem contar está fora de controle.
Nesse contexto, a ONG inglesa Campanha para Acabar
com a Solidão, fundada em 2011, lançou um vídeo com a seguinte pergunta: “Você
conseguiria passar uma semana sem falar com ninguém?”.
Em uma de suas enquetes, apurou que 52% dos
entrevistados gostariam de ter com quem conversar, 51% sentiam falta de ouvir
risadas de alguém e 46% se queixavam de não receber um abraço.
“Todos nós, governo e sociedade, temos uma missão a
cumprir. De nossa parte, criamos o movimento “Seja Mais Nós”, que encoraja
pequenas conexões diárias, como cumprimentar desconhecidos na rua, convidar os
vizinhos para um chá ou telefonar para algum solitário em potencial.
Dez minutos de bate-papo fazem a diferença”, conta
Laura Alcock-Ferguson, diretora da entidade.
O fantasma da solidão não tira o sono apenas dos
britânicos. Estimativas apontam que uma em cada quatro pessoas no mundo não tem
amigos pra valer, vive longe da família ou se sente desconectada socialmente.
A psicóloga Julianne Holt-Lunstad, da Universidade
Brigham Young, nos Estados Unidos, revisou estudos
englobando, ao todo, 3,7 milhões de voluntários, e chegou a uma conclusão
alarmante: sentir-se sozinho faz tão mal à saúde
como estar acima do peso, ser sedentário ou fumar 15 cigarros por dia!
“Se medidas não forem tomadas, a solidão poderá
atingir proporções epidêmicas até 2030”, prevê.
O brasileiro é solitário?
Mas e o Brasil? Somos um povo solitário ou sociável?
Levantamento da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, revela que lideramos o
ranking dos países em que as pessoas menos vivem sozinhas. Bom, né? Nem tanto.
A Sociedade Brasileira de Geriatria e
Gerontologia perguntou a 2 mil pessoas acima dos
55 anos qual o pior medo que sentiam. Três em cada dez não tiveram dúvidas em
responder que é “acabar sozinho”.
O receio de não conseguir enxergar ou se locomover
ficou em segundo lugar, e o de ter uma doença grave em terceiro.
“Por definição, solidão corresponde à diferença
entre o que você espera de um relacionamento e o que ele tem a oferecer. Por
esse motivo, muitos relatam se sentir solitários mesmo vivendo em uma casa
cheia de gente”, explica a neurocientista Stephanie Cacioppo, da Universidade
de Chicago.
Por essas e outras, será que a criação de um
Ministério da Solidão, parecido com aquele do Reino Unido, teria serventia por
aqui? Na opinião da psicóloga Cecília Carmona, da Universidade
Federal do Triângulo Mineiro,
sim.
Autora do estudo A Experiência de Solidão e a
Rede de Apoio Social de Idosos, ela acredita que uma pasta ou uma estrutura
para tratar exclusivamente do assunto seria essencial à implantação de
políticas públicas eficientes.
“Estar só e sentir solidão são coisas diferentes.
Estar só remete à ideia de prazer, relaxamento e satisfação. Já solidão é
sinônimo de abandono, tristeza e desamparo. Sem o enfrentamento necessário, a
solidão pode evoluir para a depressão e, em casos mais severos, levar ao suicídio“,
alerta Cecília.
Darwin também explica
Em 1967, quando compôs os versos de Wave, Tom Jobim
(1927-1994) postulou: “É impossível ser feliz sozinho!” O psicólogo John T.
Cacioppo, também de Chicago, vai além: “É impossível sobreviver sozinho”.
Se você está lendo SAÚDE, é porque nossos
ancestrais – lá atrás, ainda na era das cavernas – se sentiram sós. Sem vínculo
social, a espécie humana já teria desaparecido há muito tempo.
“A dor
física protege o indivíduo dos perigos físicos. A dor social, também conhecida
como solidão, protegia o indivíduo de permanecer isolado”, escreve Cacioppo em Solidão
– A Natureza Humana e a Necessidade de Vínculo Social (Editora Record).
“Os primeiros humanos tinham mais chance de
sobreviver quando se mantinham juntos.”
Com a evolução da espécie, a solidão tornou-se um
fenômeno histórico. Condição incompreendida e estigmatizada, é vista com
desconfiança por uns e utilizada como punição por outros.
“Na escola, as crianças
birrentas são mandadas para a biblioteca. No casamento, uma praga comum em
momentos de ódio é: Você vai morrer sozinho! No sistema carcerário, o pior castigo que existe é a solitária”, dá exemplos o historiador Leandro
Karnal, que acaba de lançar O Dilema do Porco Espinho - Como
Encarar a Solidão (Editora Planeta).
Do ponto de vista médico, solidão não é doença. Mas
possui sintomas – choro frequente, perda de apetite, baixa autoestima… – e pode
ser classificada como crônica ou aguda. Todos nós, em algum momento, estamos
sujeitos a “picos de solidão”.
Na infância ou na adolescência,
quando mudamos de cidade ou de escola. Na vida adulta, quando perdemos o
emprego ou os filhos saem de casa. Na velhice,
quando nos aposentamos ou ficamos viúvos.
Existem evidências, aliás, de que, quanto mais jovem
é a pessoa, mais solitária ela se sente. A geração americana de 18 a 22 anos
apresentou, em uma pesquisa da Universidade da Califórnia, o maior índice de solidão, no comparativo com as
turmas de 23 a 37 e de 52 a 71 anos.
Em uma investigação inglesa, a faixa dos 16 aos 24
também compõe a dos mais sozinhos.
“Na maioria das vezes, episódios de solidão, quando
você muda de bairro e precisa fazer novos amigos, por exemplo, são inevitáveis
e não trazem sequelas. O problema é quando essa sensação persiste”, analisa a
psicóloga Pamela Qualter, da Universidade de Manchester, na Inglaterra.
Um bom exemplo de solidão aguda que pode se tornar
crônica é a do luto. Superar a perda de um ente querido nunca é fácil. Mas a
tarefa de seguir adiante pode se tornar ainda mais difícil em casos de mortes
repentinas, violentas, múltiplas ou de filhos.
O que precisa ser observado é se tais sintomas
perduram por muito tempo ou impedem o enlutado de retomar sua vida”, esclarece
a psicóloga Ingrid Esslinger, do Laboratório de Estudos sobre a Morte
da Universidade de São Paulo.
“Há pessoas que, mesmo depois de anos, ainda se
emocionam ao falar da perda que sofreram ou não conseguem se desfazer dos
pertences do morto.” Quando isso acontece, pode ser bem-vinda uma sessão com o
psicólogo.
Caso suspeite que a solidão já passou dos limites
no seu caso, você pode fazer um teste aprovado pela ciência para
saber qual seu grau de isolamento
e se é preciso buscar ajuda.
Solidão e saúde
Nos últimos anos, cientistas vêm esmiuçando os
possíveis efeitos fisiológicos da solidão. Uma das descobertas é que seu
impacto é semelhante ao do estresse.
Em estado de tensão constante, você tende a relaxar
menos e a dormir mal. No organismo, o cortisol, apelidado de hormônio do
estresse, vai às alturas. Tá, mas o que isso significa na prática? Ora, uma
maior exposição a problemas de saúde.
Na Universidade de Newcastle, também em solo inglês, uma equipe detectou que a
alta do cortisol eleva o risco de doenças cardiovasculares e, por sabotar a imunidade, nos deixa mais
propensos a gripes, resfriados e outras infecções.
Num balanço geral, os pesquisadores de Chicago
chegam a estimar um aumento de 26% na probabilidade de morte prematura entre
quem vive sozinho demais.
Antes das repercussões físicas, porém, é provável
que a desconexão social impacte a esfera mental. Indivíduos muito solitários
estão no grupo que mais sofre de ansiedade, fobia e depressão.
A solidão afeta uma área do cérebro, o córtex
pré-frontal, responsável pela tomada de decisões.
E isso ajuda a explicar por que sujeitos que se
sentem isolados do mundo tendem a dormir
menos, se alimentar mal, abusar do álcool
e levar uma vida sedentária.
Resumo das repercussões físicas da solidão pelo
corpo
No
cérebro:
A tensão e a tristeza aumentam os episódios de ansiedade
e colocam o indivíduo mais próximo da depressão.
No
coração:
A solidão profunda lembra um estresse
crônico. A liberação de alguns hormônios mexe com a pressão e os batimentos.
Na
imunidade:
Existem indícios de que o estado criado pela
solidão diminui a atuação do sistema imune, aumentando o risco de infecções.
Como lidar com a solidão
Por
não se tratar de uma doença em si, não existe vacina
ou remédio para a solidão. Existem, porém, medidas eficazes
para minimizá-la e reduzir suas influências na saúde.
Isso envolve desde tarefas simples, como fazer um
favor a alguém, a atitudes que demandam mais tempo e atenção, como exercer
trabalho voluntário. A prática de exercícios e a adoção de um animal também costumam dar bons resultados.
Outro conselho é engajar-se, aos poucos, em
atividades sociais, seja num clube de leitura, seja na academia do prédio. “A
interação social tem que ser positiva para ambas as partes.
Ao puxar assunto, priorize temas agradáveis. Falar
sobre impostos ou doenças pode não ser uma boa ideia”, aconselha Stephanie
Cacioppo.
Na hora de fazer amigos, dê preferência aos de
carne e osso. Um experimento da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, indica que, em vez de
resolver o problema, o uso excessivo de redes sociais
pode até agravá-lo.
A psicóloga Melissa Hunt chegou a tal conclusão
após entrevistar 143 estudantes da instituição onde dá aula. Durante três
semanas, parte dos voluntários limitou seu tempo de uso de Facebook e afins a
dez minutos por dia. Enquanto isso, o restante da turma continuou a acessá-los
à vontade.
Terminado o experimento, adivinhe qual grupo se
queixou mais de solidão. Sim, o que ficou livre e desimpedido para mergulhar
nas mídias sociais.
“Fazer amigos virtuais não é a melhor estratégia
para enfrentar o isolamento. Sugiro sair da frente do computador e interagir
com pessoas do mundo real”, recomenda Melissa.
“Somos animais sociais e, como tal, precisamos nos
conectar com outros para manter o bem-estar
físico, mental e emocional”, defende a pesquisadora.
Não é preciso forçar a barra nem acabar com os
momentos a sós. Mas, se a solidão começar a bater, que tal convidar aquele
amigo que você não vê há tempos para tomar um café?
O lado bom de ficar sozinho
Ao contrário da solidão, estar só costuma ter seu
lado positivo. Em 1997, o escritor norueguês Jo Nesbo descobriu que o voo que o
levaria de Oslo, na Noruega, onde mora, até Sydney, na Austrália, onde passaria
as férias, levaria 32 horas.
O que ele fez? Abriu seu laptop e começou a
trabalhar ali mesmo. Seu primeiro livro nasceu a bordo de um avião. “Às vezes,
é bom tirar férias do mundo e passar um tempo só com você mesmo”, afirma o
psicólogo Gregory Feist, da Universidade Estadual de San Jose, nos Estados Unidos.
Outra vantagem do que alguns chamam de “solitude”,
como o historiador Leandro Karnal, é o recolhimento e a introspecção. “De vez
em quando, estar só traz alívio contra o estresse”, reforça a psicóloga Julie
Bowker, da americana Universidade de Buffalo.
Man
walking alone on Digha Beach. (Photo by: India Picture/UIG via Getty Images).
André Bernardo.
Conteúdo:
Revista SAÚDE.
Portal
MSN.
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