A magia das tulipas
Toda primavera, um tipo especial de tulipomania toma conta de
quem visita a Holanda
Sei que a Holanda é famosa pelas tulipas e as exporta para o
mundo inteiro.
De julho de 2010 a junho de 2011, foi exportado cerca de 1,9
bilhão de bulbos de tulipa, e mais 1,4 bilhão de tulipas foram cortadas em
2010.
Mal posso acreditar que os russos pagariam tão caro por elas.
No entanto… No decorrer dos séculos, a tulipa teve uma
influência mágica sobre o ser humano.
E ainda tem, como descubro alguns dias depois ao visitar os
jardins do Keukenhof – desde 1949, a maior exposição ao ar livre de flores
primaveris –, em Lisse.
Em abril, numa ensolarada manhã de terça-feira, um ônibus de
Leiden me leva por centenas de campos cheios de tulipas vermelhas, amarelas,
rosadas e alaranjadas.
Era como se um monte de crianças alegres tivessem colorido a
paisagem com seus lápis.
Sinto-me como Alice no País das Maravilhas: é uma exibição
avassaladora de cores e formas
Quando chego ao Keukenhof, há filas para comprar ingressos. Ouço
alemão, inglês, russo, japonês e chinês. São alguns dos 800 mil turistas que,
todo ano, visitam os jardins do castelo do século 15, principalmente em abril e
maio.
Flores rosadas de cerejeira contrastam com a exuberância de
tulipas, narcisos, jacintos… E que aromas doces!
Mas o que realmente faz esse parque se destacar são as tulipas
de todos os formatos e cores.
Há tulipas imaculadamente brancas e folhas com bolinhas verdes e
vermelhas, tulipas em forma de cone, ou denteadas, ou ainda com folhas que
parecem penas de pássaros.
Os visitantes se deitam no chão para tirar fotos das tulipas
periquito de cores vivas, como a Markgraaf van Baden.
Ou da vermelha com labaredas brancas (Rembrandt).
De repente, pergunto-me por que a Holanda se transformou no
supremo país das tulipas, se essas flores nem são nativas dali.
Para encontrar a resposta, visito o Museu Tulipa Negra, em
Lisse, bem pertinho do Keukenhof. Os mapas na parede mostram claramente a
origem da tulipa: áreas do Quirguistão, do Turcomenistão e do Cazaquistão, em
torno dos montes Pamir.
Um retrato mostra o homem que levou essa flor para a Holanda:
Carolus Clusius, médico e botânico flamengo do século 16.
O cientista de barba bem aparada e bigode recurvo foi botânico
imperial em Viena, na Áustria, antes de ir para Leiden.
Lá, conta o guia do museu, ele criou o famoso Jardim Botânico da
Universidade de Leiden e começou a cultivar tulipas, principalmente por meio de
sementes, o que permite uma multiplicação mais rápida das plantas do que por
bulbos.
Temos um bulbo, mas nunca sabemos o que sairá dele. Aquilo foi
pura ganância e especulação.
– A flor se adaptou muito bem ao solo arenoso dos arredores de
Leiden e Haarlem, com a brisa fresca do mar – conta-me depois Johan van
Scheepen, sentado atrás de uma escrivaninha cheia de livros.
Homem simpático de aparência esguia e cabelo grisalho, aos 57
anos, Van Scheepen trabalha como bibliotecário e botânico da Real Associação
dos Produtores de Bulbos (KAVB, na sigla em holandês).
Esta entidade, sediada em Hillegom, apoia os produtores no
cultivo, aprimoramento e exportação de bulbos de flores há mais de 150 anos.
Em 25 anos, por volta da década de 1620, a florzinha de Clusius
se tornou sucesso. Mercadores ricos, regentes e patrícios plantavam-na nos
jardins.
A tulipa se tornou um símbolo de status, alcançando preços cada
vez mais altos.
A forte especulação inflacionou o comércio. No auge da
tulipomania, um bulbo especial podia valer 3 mil florins.
Como escreveu um panfletista anônimo da época, isso correspondia
a “2 carroças de trigo, 4 carroças de centeio, 4 bois gordos, 8 porcos gordos,
12 ovelhas gordas, 2 barris de vinho, 4 barris de cerveja, 2 toneladas de
manteiga, quase ½ tonelada de queijo, 1 cama, 1 jarra de prata, algumas roupas
e 1 navio para transportar tudo”.
A situação não podia durar. Em 3 de fevereiro de 1637, quando um
negociante de Haarlem não conseguiu vender alguns bulbos por 1.400 florins (na
época, o salário anual médio era 150 florins), a bolha explodiu com estrondo.
O episódio ficou internacionalmente conhecido como o primeiro
crash do mercado de ações.
Por sorte, isso não acabou com o cultivo de bulbos. A região de
floricultura nos arredores de Lisse, Hillegom e Noordwijk, que conhecemos hoje,
prosperou no século 19.
Os produtores viajaram o mundo à procura de novas espécies para
cruzar com suas tulipas.
“Mas como se inventa uma tulipa?”
Agora, Van Scheepen registra umas 200 variedades novas de tulipa
por ano. Nos jardins da KAVB, decorados com esculturas de bulbos gigantescos,
cultivam-se cerca de 2.500 tipos.
A coleção é mantida para servir de comparação: um comitê de
especialistas em tulipas compara cada flor para verificar se a variedade é
mesmo nova.
Mas como exatamente se “inventa” uma tulipa? Procuro Jan
Ligthart. Descubro que mora em Breezand, aldeia na província de Noord-Holland,
longe da região tradicional das tulipas. Mas, quando vou até lá, passo por
campos e mais campos de tulipas.
Deve haver milhões delas. Um campo multicolorido atrai mais
minha atenção: é o de Jan Ligthart, cheio de experiências.
– Tinha 13
anos quando comecei a cruzar tulipas.
Jan tira o estame de uma flor roxa e o esfrega no pistilo do
centro de uma tulipa branca.
– Isto é cruzar. É um tipo de inseminação artificial que leva a
uma colheita de sementes seis meses depois.
Mas ainda não é um bulbo. Um estoque de bulbos para o mercado
demora muitos anos. Ligthart aponta para meus pés e vejo seis pequenas tulipas
brancas com labaredas roxas.
Leva-se 25 anos para introduzir no mercado uma nova variedade
– Esses bulbos têm uns cinco anos. – Numa fileira ao lado, há
umas cem tulipas maiores com chamas brancas e roxas. – Esse é o resultado de
dez anos de cultivo.
Leva-se 25 anos para introduzir no mercado uma nova variedade. É
o tempo necessário para colher os bulbos para a venda.
O que Ligthart verifica é a sensibilidade da tulipa a doenças,
sua longevidade como flor, a adequação para o processamento mecânico, o tamanho
dos bulbos e a compatibilidade com a hidroponia – cultivo em meio aquoso.
Depois de 40 anos de experiência, cerca de 200 variedades de
tulipa estão registradas em seu nome.
Em leilão, as tulipas regulares valem 13 centavos de euro cada.
Uma tulipa especial pode valer 20 centavos de euro. E uma linda tulipa de nome
atraente pode chegar a 25 centavos de euro. A tulipa dos sonhos? Jan
Ligthart
pensa um instante e diz:
– Uma tulipa azul parece utópica, mas quero fazer o que ainda
não existe. Isso faz parte da magia da tulipa: há tantas variedades novas a
criar!
Por Annemarie Sour.
Editado por:
Julia Monsores.
Imagem:
Olena_Znak/istock.
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Revista SELEÇÕES.
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