Isolamento social é o culpado pela inflação, como diz Bolsonaro?
Economistas afirmam que não.
Na terça-feira, 11, dia em que foi divulgado que a inflação
brasileira fechou 2021 em 10,06%, maior patamar desde 2015, o presidente Jair
Bolsonaro procurou se isentar da responsabilidade sobre o problema e culpou as
medidas de isolamento social, adotadas durante a pandemia da covid-19, pela
alta dos preços.
“Lembra do ‘fique em casa, a economia a gente vê depois’? Vocês
estão vendo a economia. O cara ficou em casa, apoiou e agora quer me culpar
pela inflação”, disse o presidente, em conversa com apoiadores.
Mas o isolamento social é mesmo o responsável pelo aumento de
preços?
Economistas consultados pelo Estadão afirmam
que não.
Segundo os economistas, o primeiro ponto a ser avaliado é que,
para o isolamento ser o responsável pela alta de preços, seria necessário que a
inflação brasileira fosse puxada pela demanda aquecida.
O que isso significa?
Imagine um cenário em que as pessoas pararam de exercer suas
atividades por causa da pandemia, ficaram em casa, mas, ao mesmo tempo,
continuaram comprando produtos na mesma quantidade de antes ou até em maior
medida.
Nesse caso, teríamos um cenário em que a demanda (a aquisição de
produtos pelos consumidores) superaria a oferta (produção), que diminuiu por
conta do fato de as pessoas estarem reclusas.
Isso não aconteceu por um motivo relativamente simples, de
acordo com os especialistas:
As pessoas que paralisaram atividades, muitas vezes, tiveram
redução de renda, ou perda total de salário. Isso faz com que a demanda
diminua, não aumente.
E há um outro ponto importante nessa análise: o período para
este efeito acontecer foi em 2020, não 2021. No ano passado, o isolamento foi
menor, com uma retomada das atividades do comércio e dos serviços, por causa da
vacinação.
Em 2020, não houve
disparada da inflação, que fechou em 4,52%, dentro do intervalo tolerado pelo
Banco Central (a meta de inflação para 2020 era de 4%, com tolerância de 2,50
pontos para cima ou para baixo).
Segundo os economistas, a inflação de 2021, que fechou em
10,06%, é a chamada “inflação de custo”. Isso quer dizer que o valor gasto para
se produzir ficou mais caro.
Imagine o seguinte exemplo:
Para um restaurante, o aumento dos alimentos pesa, mas também
está mais caro fazer com que o produto chegue até o estabelecimento, porque o
combustível está mais caro, já que o petróleo ficou com o preço mais alto. O
que também eleva o valor do gás de cozinha.
Além disso,
A energia elétrica está mais “salgada”, por causa da crise
hídrica que o Brasil atravessa. Todos esses custos serão repassados ao
consumidor final. “Acaba sendo mais um serviço reajustado por conta de outros
tantos”, diz a professora e coordenadora do curso de graduação em economia do
Insper, Juliana Inhasz.
A avaliação é que três pontos foram fundamentais nessa disparada
da inflação:
1. Crise hídrica:
As chuvas escassas provocaram aumento expressivo nas contas de
luz, já que o País depende muito das usinas hidrelétricas, que viram suas
represas reduzirem o volume. Além disso, a falta de chuvas também impactou as
lavouras, o que acabou deixando alimentos mais caros.
2. Petróleo mais caro no
exterior:
Como os combustíveis derivados do petróleo são impactados pelo
valor da commodity lá fora, com o ativo mais caro, gasolina e diesel também
subiram, assim como o gás de cozinha.
3. Incertezas internas:
A falta de reformas, como administrativa e tributária, além da
insegurança sobre o cumprimento do teto de gastos, causou uma instabilidade
doméstica, o que envolve, neste caso, diretamente o governo federal.
Com isso, os investidores se retraem, o que acaba afetando o
mercado acionário, mas, principalmente, o dólar.
Para produtos importados, a moeda americana é fundamental na
composição de preços. Com ele mais caro, os valores ficam mais altos, o que
afeta a inflação.
“O impacto da inflação por causa do isolamento social só
aconteceria, muito provavelmente, em locais de renda alta, em que, mesmo
paradas (sem emprego ou com renda mais baixa), as pessoas têm poupança
guardada, por exemplo, podendo gastar.
Não é o caso do Brasil, com o
nível de desemprego que temos, perda de renda na volta ao mercado de trabalho,
(o que resulta em) baixo poder de compra. E muitas pessoas continuaram
produzindo também neste período.
Não se justifica colocar no isolamento social a culpa pela
inflação. Ela vem dos custos”, diz Juliana Inhasz.
Existe um exemplo, no Brasil e no mundo, de uma situação em que
o isolamento afeta diretamente a composição de preços, mas com impacto baixo.
“Houve, principalmente em 2020, interrupção em cadeias globais.
Na China, por exemplo, houve fechamento de fábricas, o que
provoca quebra nessas cadeias globais de valor, e isso afetou o preço de vários
insumos”, diz o professor da Faculdade de Economia, Administração e
Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP/USP) Luciano Nakabashi.
No Brasil, um exemplo disso é o dos automóveis, que têm a
produção prejudicada pela falta de chips. Mas, claro, não justificaria uma
inflação de dois dígitos, disseminada por diferentes produtos e serviços
“O Brasil tem um excesso de inflação em relação a outros países.
A gente viu aumento no preço do petróleo, em commodities, que geram um efeito
sobre a estrutura de custo, e também o aumento do dólar, que impacta os preços
domésticos.
Este é um canal em que a instabilidade brasileira pode impactar.
Tem uma parte que é comum a todos, como a pandemia, mas tivemos mais
incertezas”, diz o economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social.
Imagem
reprodução Internet.
Conteúdo
Jornal ESTADÃO de São Paulo.
Por: Felipe Siqueira.
Portal MSN.
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