OS ÚLTIMOS DIAS DE PALOCCI
A agonia do ministro que chegou ao governo como homem de Lula, tentou ser discreto e caiu fulminado pelo próprio PT. Na noite de segunda-feira, dia 6, o então ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, trabalhou até tarde em seu gabinete para permanecer no cargo.
Havia 22 dias que Palocci estava acossado por uma crise. Palocci, médico de formação e político profissional, agora era conhecido também como próspero consultor de empresas. Sem apoio no PT ou no governo, Palocci balançava no cargo. Na segunda-feira, antes da visita do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, Palocci se reuniu com a presidente Dilma, o chefe de gabinete de Dilma, Giles Azevedo, e os ministros Gilberto Carvalho e Helena Chagas.
“A senhora fique à vontade”, disse Palocci a Dilma no final da conversa. Por volta das 19h30, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, anunciou que arquivaria quatro representações de partidos de oposição contra Palocci por não ver indícios de crime. “Agora depende dela”, disse Palocci ao voltar ao gabinete.
Naquela noite, Palocci telefonou para o líder do PT na Câmara, Paulo Teixeira, para o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza, para o vice-presidente, Michel Temer, para o presidente do PT, Rui Falcão, para o líder do governo no Senado, Romero Jucá, o líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves, para o senador Eduardo Braga (PMDB-AM) e para o ex-presidente Lula. “Essa vitória não é só minha, é sua também. Vamos em frente”, disse a todos, com poucas variações. Palocci foi dormir acreditando que continuaria ministro. Mas não houve a vitória que ele comemorou.
Na terça-feira, o clima estava diferente. Pela manhã, Palocci foi chamado para uma conversa com Dilma e Gilberto Carvalho. Palocci saiu abatido. “Vai ser hoje”, disse Palocci a seus assessores. Mesmo assim, foi para o almoço com senadores do PTB. Às 17h, Palocci foi para a reunião com Dilma. Voltou para seu gabinete às 17h30, já demitido.
Na conversa em que foi informado da demissão, ele soube que seria substituído pela senadora Gleisi Hoffmann. Palocci telefonou a aliados para informar sobre sua saída. O único que já sabia – havia sido avisado por antes por Dilma – era o vice-presidente Michel Temer.
Palocci passou 24 dias sob ataque até sucumbir. Sua segunda crise em um ministério começou quando o jornal Folha de S. Paulo publicou que Palocci tinha uma consultoria chamada Projeto e, por meio dela, havia comprado no ano passado um escritório por R$ 882 mil e um apartamento por R$ 6,6 milhões, ambos em São Paulo. A denúncia não abalou Dilma.
Antes de entrar no governo, Palocci havia avisado Dilma que, enquanto exerceu o mandato de deputado federal, Palocci teve uma atividade paralela como consultor de empresas. A situação só começou a degringolar quando se tornou pública a informação que a Projeto teria faturado cerca de R$ 20 milhões apenas em 2010.
Como em outros escândalos, surgiram suspeitas que os dados teriam sido vazados a partir de notas fiscais emitidas pela empresa, guardadas pela prefeitura de São Paulo na cobrança do Imposto Sobre Serviços (ISS). Na sexta-feira, dia 20, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, falou com a presidente Dilma Rousseff.
Dissidente do DEM e fundador do PSD, um partido “nem da oposição, nem da base aliada”, há meses Kassab procura se aproximar do governo. Na conversa, Kassab disse a Dilma que as informações vazaram da prefeitura e prometeu tomar providências.
Como Kassab nada fez, dias depois Dilma liberou o ministro da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, para atacar Kassab. Carvalho fez críticas. O PT também foi instado a atacar. O normal seria que os petistas se mobilizassem e pedissem uma investigação sobre o vazamento, como os tucanos fizeram na campanha eleitoral de 2010, quando surgiram dados fiscais da fiscais de Verônica, filha do então candidato do PSDB, José Serra. Mas o PT não embarcou na briga.
Palocci percebeu que a situação piorava. Dias depois, dois órgãos do governo demoraram demais para divulgar notas em sua defesa. O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) esperou até às 17h30 para tentar desmentir uma reportagem que a Projeto estaria envolvido em uma investigação.
A Receita Federal só divulgou às 19h uma nota para tentar explicar que uma cliente de Palocci, a WTorre, não teria obtido benefícios fiscais. Além de Carvalho, apenas o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, se expôs na defesa de Palocci.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou três dias em Brasília para tratar do problema. Falou com o PT e com partidos aliados. Obteve ajuda do PMDB. O partido, aliás, abraçou Palocci. Na noite de segunda-feira, dia 16, primeiro dia da crise, os senadores Renan Calheiros e Romero Jucá foram falar com Palocci no Palácio do Planalto e prometeram ajuda.
A tropa do PMDB protegeu Palocci. Quando surgiu a possibilidade de uma CPI no Senado para investigar as atividades da Projeto, eles tranqüilizaram Palocci. “Segure os seus que eu garanto o PMDB. Do PMDB só vai haver três votos (para a CPI)”, disse Renan a Palocci. Mas Palocci não obteve o mesmo apoiop do PT. Palocci telefonou para o líder do PT na Câmara, Paulo Teixeira, o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza, o deputado Arlindo Chinaglia e o líder do PT no Senado, Humberto Costa. Como outros, eles prometeram ajuda.
Mas ninguém se arriscou. “A melhor pessoa para explicar é o próprio ministro”, disse o senador Walter Pinheiro (BA). Considerado um aliado disciplinado e fiel, o governador da Bahia, Jacques Wagner, surpreendeu Palocci ao pedir publicamente que ele se explicasse. Dar explicações públicas era tudo que Palocci não queria.
Desde que chegou ao governo, Palocci lutou para ficar na sombra. Tentou, a todo custo, se manter “low profile”. Palocci fugiu de holofotes, conversas com jornalistas e mais ainda de entrevistas. Todas as manhãs, Palocci ouvia relatos do que havia saído na imprensa sobre o governo.
Algumas vezes perguntava se havia algo sobre ele na imprensa. Até a crise, a resposta era quase sempre negativa. “Ótimo”, dizia Palocci. A rotina de Palocci era atrelada à de Dilma. Assim que assumiu, ele se livrou de muitas responsabilidades, como a administração dos cartões corporativos. Palocci queria ficar livre para o “desce”, a ordem de Dilma para que ele descesse ao gabinete presidencial, que fica no 3º andar do Palácio do Planalto. O do ministro da Casa Civil fica no quarto andar.
Palocci chegava ao seu gabinete de paredes com vidros escuros às 9h da manhã e saía sempre por volta de meia-noite e meia, 1h da manhã. Palocci passava, em média, seis horas por dia na sala de Dilma. Após o primeiro mês, ele passou a não ter mais uma agenda de encontros para as manhãs, pois estava sempre com Dilma. Em algumas ocasiões, chegou a aparecer em sua sala após as 20h, depois de passar o dia todo com a presidente. Palocci ficou conhecido por ser o ministro que nunca saía da sala de Dilma. Outros ministros reclamavam da falta de privacidade. Apenas Guido Mantega conseguiu, após solicitar, o privilégio de falar a sós com Dilma.
O estilo discreto de Palocci se manifestou antes do governo. Após eleita, Dilma teria oferecido a ele o ministério da Saúde. Dilma atendia um pedido de Lula para colocar Palocci no governo. Mas Palocci não topou.
Preferia ficar fora do governo ou em algum cargo como a Secretaria Geral da Presidência, sob medida para quem não quer aparecer. Terminou na Casa Civil, onde tentou se livrar de assuntos que pudessem causar problemas. Sua curta trajetória mostra que, apesar de todo cuidado e planejamento, nem sempre é possível escapar.
A crise trouxe conselheiros ao Planalto. O ex-presidente Lula tentou ajudar, mas não conseguiu fazer muito por Palocci. O ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos foi chamado. Experiente por ter ajudado o governo a lidar com uma crise maior, a do mensalão, Bastos deu palpites. Dizia que a lista de clientes de Palocci apareceria algum dia e o governo teria de se explicar. O marqueteiro João Santana foi decisivo.
Ele disse que pesquisas indicavam que a crise de Palocci contaminava a imagem de Dilma. Mesmo na crise antes de sua saída, Palocci não perdeu as estribeiras. Soltou poucos palavrões. Após saber da demissão, Palocci voltou ao gabinete, escreveu com assessores seu discurso de despedida e tirou fotos com funcionários da Casa Civil. Palocci parecia aliviado pela chance de voltar à consultoria.
Revista ÉPOCA online. LEANDRO LOYOLA.
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