Como se chegou à pior recessão desde os anos 90?
No início do ano já se sabia que 2015
seria um ano difícil, mas poucos poderiam prever uma deterioração tão rápida e,
ao mesmo tempo, persistente da economia brasileira.
Segundo dados divulgados nesta terça-feira
pelo IBGE, de julho a setembro o PIB do país se retraiu 1,7% frente ao segundo
trimestre do ano e 4,5% frente ao mesmo período de 2014. Na comparação
interanual trata-se da pior queda desde o início da séria histórica do
instituto, em 1996.
"Inicialmente a previsão do
governo era que a atividade econômica cairia nos dois primeiros trimestres de
2015 e começaria a se recuperar justamente de julho a setembro", lembra o
economista da Unicamp André Biancarelli.
"O que aconteceu, porém, foi que
o último trimestre foi o pior de todos. Ou seja, a crise ainda está se
aprofundando e, infelizmente, não temos horizonte para uma melhora."
Até o governo, que em abril falava em
uma contração da economia de 0,9% em 2015, agora já admite uma queda de 3,1% no
PIB, o que seria a maior recessão desde 1990.
Nos últimos 12 meses, pelo menos 825
mil pessoas perderam seus postos de trabalho segundo o IBGE. Os investimentos
se paralisaram e a renda dos trabalhadores caiu.
Para completar, ainda não parece
haver luz no fim do túnel. Segundo previsões do Banco Central a recessão deve
durar pelo menos mais três trimestres.
"Esperamos uma queda do PIB de -
3,2% em 2015 e - 2% em 2016, ou seja, dois anos consecutivos de recessão, algo
que não se via desde 1930", diz a economista da Consultoria Tendências,
Alessandra Ribeiro.
"Nessa toada, o risco é que o
segundo mandato de Dilma Rousseff termine com uma média de crescimento
negativa", acrescenta Biancarelli.
Mas, afinal, como a
situação se deteriorou a esse ponto?
Economistas consultados pela BBC
Brasil listaram cinco fatores que agravaram a recessão nos últimos meses.
Confira:
1 – Lava Jato e
preços do petróleo
Segundo cálculos da Tendências, a
operação Lava Jato deve ter um impacto de -2,5% no PIB deste ano em função das paralisações
nas atividades da Petrobras e de algumas das maiores construtoras do país.
Isso significa que, não fossem os
efeitos das investigações nas empresas, a queda do PIB poderia ser de 0,7% na
estimativa da consultoria – que hoje projeta uma retração de 3,2% para a
economia em 2015.
Empresas como a Odebrecht e a Camargo
Correa, além da própria estatal petrolífera, revisaram seus investimentos e os
contratos com parceiros e fornecedores, além de ter feito demissões.
"O setor de óleo e gás e a
construção civil têm uma participação importante no total dos investimentos da
economia – então era esperado que o efeito fosse significativo", explica
Ribeiro.
André Perfeito, da Gradual
Investimentos, ressalta que a Petrobras também foi afetada pela queda dos preços
do petróleo.
Em agosto de 2014, o barril (tipo
brent) estava na casa dos US$ 100. Hoje, não passa dos US$ 50.
"Isso altera as perspectivas
para os projetos do pré-sal e obriga a empresa a revisar alguns de seus
planos", diz Perfeito.
2 – Crise política
Outro fator que teria prejudicado
bastante o desempenho da economia na avaliação dos economistas foi a crise
política.
"No início do ano a agenda do
ajuste fiscal acabou capturada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo
Cunha (PMDB)", diz Perfeito.
"Surgiram problemas como a
'pauta bomba' (medidas propostas pelo Congresso que aumentavam os gastos
públicos) e o resultado foi que o processo de ajuste não caminhou tão rápido
como se imaginava."
Otto Nogami, professor do Insper,
acrescenta que a crise política também contribuiu para agravar o clima de
incertezas, que inibe investimentos.
Ninguém no início do ano poderia
imaginar que alguns grupos defenderiam um impeachment da presidente e que
chegaria a haver dúvidas sobre capacidade de Dilma Rousseff terminar o mandato.
"E o resultado disso tudo foi
uma deterioração rápida das expectativas de investidores para a qual também
contribuiu a perda do grau de investimento (pela agência de classificação de
risco Stardard & Poor’s)", opina Nogami.
3 – Aperto
monetário e ajuste
Muitos analistas admitem que o aperto
monetário e o ajuste fiscal mais duro do que era esperado também tiveram seu
papel no aprofundamento da recessão.
Os cortes de gastos anunciados em um
primeiro momento não se mostraram suficientes para o governo atingir a meta de
superavit primário (economia feita para pagamento dos juros da dívida), o que
levou a uma revisão sucessiva da meta para 2015 e novos enxugamentos.
Para alguns economistas, o ajuste não
foi rápido e contundente como deveria ser. Já outros, de linha mais heterodoxa,
o problema foi que o ajuste e o aperto monetário foram duros demais.
©
Copyright British Broadcasting Corporation 2015 Ministros da Fazenda,
Joaquim Levy, e do Planejamento, Nelson Barbosa, anunciam cortes
A questão é que a recessão levou a
uma queda da arrecadação – e com isso o deficit fiscal em vez de cair, cresceu.
No último relatório de receitas e despesas deste ano, por exemplo, o governo
confirmou a intenção baixar a meta fiscal de 2015 para um déficit primário de
R$ 51,8 bilhões, ou 0,8% do PIB.
"O ajuste não foi eficiente nem
sequer para produzir seu objetivo direto, que era o superávit, quem dirá em
gerar crescimento", diz Biancarelli, um dos críticos ao processo de
ajuste.
Como a inflação ficou acima do
esperado (analistas preveem que feche o ano na casa dos 10%), o Banco Central
também aumentou os juros mais do que era previsto em uma tentativa de conter os
preços.
Para Nogami, do Insper, não há como
negar que tanto a política fiscal quanto a monetária foram e têm sido
contracionistas, mas elas são um "mal necessário".
Ribeiro, da Tendências concorda:
"Já vimos tentativas de recuperar a economia ampliando os gastos do Estado
e elas sempre fracassaram."
Já Biancarelli acredita que há
alternativas: "Uma taxa de juros mais razoável e uma recuperação dos
investimentos públicos hoje poderia dar algum alívio a economia", diz ele.
4 – Queda no
consumo
Para Nogami, a recessão brusca
ocorreu em parte em função do estouro do que ele chama de "bolha do
consumo".
Até o fim do ano passado, mesmo com a
economia desacelerando, o mercado de trabalho ia relativamente bem. A renda
real média dos trabalhadores crescia e o desemprego registrava recordes
sucessivos de baixa – o que dava confiança para as famílias continuarem
comprando.
Além disso, Nogami diz que, até 2014,
foram adotadas uma série de medidas para estimular o consumo – como a expansão
do crédito.
Neste ano, com o aumento do
desemprego e enxugamento do crédito, o Brasil estaria vivendo a ressaca desse
processo.
"Sem aquela demanda que vinha
sendo inflada artificialmente, a indústria e outros setores estão sentindo a
necessidade de reajustar sua estrutura, o que muitas vezes representa um
aumento das demissões", diz Nogami.
"Além disso, o enxugamento dos
gastos públicos também teve um efeito significativo na demanda, já que o
governo é o segundo maior 'consumidor' da economia, depois das famílias,
respondendo por 22% dos gastos totais."
5 – Cenário
externo
Para Biancarelli, o cenário externo
também contribuiu para que o desempenho da economia brasileira fosse pior do
que o esperado em 2015.
Ele menciona que o FMI revisou
sucessivamente suas expectativas de crescimento para a economia global em 2015.
Neste mês, por exemplo, a estimativa passou dos 3,3%, em julho, para 3,1%.
Entre os fatores externos mais
relevantes para a economia brasileira estariam a queda nos preços nas
commodities e a desaceleração chinesa.
Como resultado desses dois fenômenos,
o valor negociado das exportações brasileiras caiu e, mesmo com o real
desvalorizado, as exportações para a China tiveram baixa de quase 20% no
primeiro semestre na comparação com 2014.
"Acho que está claro que, mesmo
com o real em um patamar mais baixo, não vão ser as exportações que vão puxar a
economia nos próximos meses, como em 2004", diz o economista da Unicamp.
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