Epidemia de obesidade é
resultado de alteração do padrão alimentar
A Organização Mundial da Saúde
estima que 1,9 bilhão de adultos
tenham sobrepeso, sendo 600 milhões
com obesidade.
Ainda assim, de acordo com estudos publicados na
revista Lancet, nos últimos 30 anos nenhum país conseguiu
elaborar estratégias para reverter a epidemia de obesidade de forma
consistente.
No Brasil não é diferente.
Nos últimos 35 anos a prevalência de obesidade
subiu de 5,4% para 21% da população.
De acordo com dados do Ministério da Saúde, a cada
ano são 1 milhão de novos casos de obesidade no país e a cada 15 anos dobra a
taxa de casos de obesidade.
Outros estudos mostram que, se a taxa de
crescimento da obesidade continuar a mesma, o Brasil atingirá, em menos de 10
anos, o mesmo índice dos Estados Unidos, onde mais de 36% da população vive com sobrepeso ou obesidade.
“No Brasil, há um aumento maior da obesidade na
população mais pobre, em comparação com a mais rica.
É um problema que acomete todas as classes sociais,
portanto sua prevenção interessa à população inteira”, disse Carlos Augusto
Monteiro, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP e coordenador da
edição mais recente do Guia alimentar para a população
brasileira, durante a estreia do programa de TV
Ciência Aberta, da FAPESP e da Folha de S.Paulo, na terça-feira (03/04).
Também participaram do programa Licio Velloso,
professor do Departamento de Clínica Médica da Unicamp e coordenador do Centro
de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC) – um Centro de Pesquisa,
Inovação e Difusão (CEPID) financiado pela FAPESP – e a nutricionista
especialista em comportamento alimentar Sophie Deram.
A
mediação do debate foi feita pela jornalista Sabine Righetti.
“Há um grande debate se a obesidade em si já seria
uma doença, além de ser um fator de risco para a hipertensão, diabetes e
doenças cardiovasculares, por exemplo.
O fato é que, para a Organização Mundial da Saúde,
doença é toda condição com algum tipo de alteração funcional, estrutural ou
mesmo comportamental que leva sofrimento ao indivíduo e a obesidade se encaixa
em todos esses critérios”, disse Velloso.
Os especialistas atribuem essa epidemia a
mudanças no padrão alimentar da população em geral, que nas últimas
quatro décadas trocou a alimentação tradicional de cada país – composta
principalmente por cereais, verduras e carnes – por alimentos ultraprocessados,
ricos em gorduras saturadas que fazem o alimento durar mais.
Estudo realizado no OCRC mostrou que essa alteração
no padrão alimentar tem consequências na região cerebral que regula a fome.
“Mostramos que a ingestão de gordura saturada gera
uma inflamação no hipotálamo, a região do cérebro que controla a saciedade, e
os neurônios começam a não regular tanto a fome”, disse Velloso.
A boa notícia é que essa inflamação pode ser
revertida. “Da mesma forma que o ácido graxo saturado inflama, o insaturado
reverte”, disse.
Os especialistas destacaram que o fato de aumentar
o consumo de gorduras saturadas e de açúcar e a redução na ingestão de fibras
explica essa epidemia de obesidade.
“Na obesidade, individualmente, a genética é
importante, mas fica difícil explicar essa epidemia global com uma causa
genética.
A epidemia é atribuída a um fator ambiental, essa
abundância de alimentos. A atividade física se modificou [reduziu] nos anos
1960 e a epidemia começou nos anos 1980”, disse Monteiro.
Os participantes do programa destacaram que há
muitos fatores associados à obesidade. “Predisposição todos têm, mas quem vai
puxar o gatilho para a obesidade é o ambiente”, disse Sophie Deram.
Ela lembrou ainda que há uma forte questão
comportamental associada à obesidade. “Estamos sempre buscando o vilão da
obesidade. Essa busca levou a uma confusão de informações.
Para a academia, é importante saber, mas para a
população fica difícil saber quando o ovo é bom ou ruim, por exemplo. Isso gera
uma infinidade de dietas restritivas que, no fim, vão alterar a percepção de
fome do indivíduo”, disse.
Tanto que, de acordo com Deram, a grande maioria
das pessoas que fazem dieta retorna ao peso inicial depois de dois anos. “Não é
uma questão de empenho.
É
o cérebro que controla tudo, inclusive a saciedade.
Ele reage ao estresse da dieta restritiva e liga um
mecanismo de adaptação que aumenta o apetite e diminui o metabolismo. Por isso
não dá certo”, disse.
Para Velloso, os programas contra a obesidade
precisam trabalhar o comportamento. “Em vez de enfatizar a perda de peso,
enfatizar a manutenção do peso e a qualidade de vida”, disse.
O coordenador do
OCRC explicou que existem dois tipos de fome:
A homeostática e a hedônica. A primeira está
relacionada ao hipotálamo e serve como um alerta para a baixa de energia. Já a
segunda está ligada ao sistema límbico e às emoções.
“Fazer dieta restritiva aumenta a vontade da fome
hedônica. Vimos isso em ratos que, quando acabam a dieta, buscam ingerir
gordura”, disse Deram.
Obesidade infantil
No Brasil, os dados de obesidade infantil são
surpreendentes. Há 45 anos um terço das crianças sofria de desnutrição
infantil. Hoje, um terço das crianças tem sobrepeso ou obesidade.
“Isso não tem uma explicação clara. mas é um
problema grave, pois as crianças já desde muito pequenas vão fazer dietas com
restrição, terão insatisfação com o próprio corpo. Isso afeta muito a
infância”, disse Deram.
A obesidade infantil ocorre justamente na fase da
vida em que há o maior gasto energético, usado para o crescimento da criança.
“O ambiente mudou tanto que até as crianças
sucumbiram. Para ter uma ideia, uma refeição tradicional tem em média 1,4
Kcal/grama.
Já um fast food tem 3 Kcal/grama. A mudança no
ambiente alimentar é absurda”, disse Monteiro.
Velloso ressalta o aspecto do tempo na obesidade.
“Quanto mais tempo a criança permanecer obesa, mais difícil será voltar ao peso
e mais ela vai desenvolver doenças”, disse.
Para Monteiro, é preciso que os alimentos
ultraprocessados sejam tratados como o tabaco e a bebida alcoólica. “Não estou
falando em proibir, mas em restringir o marketing”, disse.
BRASIL GASTA MAIS COM A OBESIDADE DO QUE COM A
CIÊNCIA.
Ele ressaltou que o custo da obesidade no Brasil é
de 2,4% do Produto Interno Bruto
(PIB), enquanto menos de 1% do PIB é gasto em ciência. “Do ponto de vista da
carga de doença no Brasil, a obesidade é o primeiro fator. É muito mais que o
tabagismo, por exemplo.
É possível economizar recursos e o sofrimento, mas
para isso é preciso haver políticas públicas”, disse.
Entre
as medidas destacadas pelo pesquisador estavam: imposto de alimentos
ultraprocessados, restrição de propaganda e rotulagem nutricional como é feita
no Chile, que destaca os riscos dos alimentos.
O
programa na íntegra pode ser assistido em: https://youtu.be/-7htACAjApA
Público ampliado
O próximo programa de TV Ciência Aberta será no dia
8 de maio com o tema “Mudanças Climáticas”. A proposta do programa é apresentar
ao público grandes temas em discussão na atualidade em uma linguagem simples e
ágil para estimular a participação de jovens pesquisadores, estudantes e
público interessado – levando ao conhecimento da sociedade as pesquisas apoiadas
pela FAPESP, bem como o intercâmbio e a divulgação da ciência produzida no
Estado de São Paulo e no Brasil.
“Com o programa, esperamos responder à inquietação
de que o que os cientistas fazem é incompreensível e mostrar que não só é
compreensível como pode beneficiar as pessoas.
A série será uma maneira de os cientistas se
comunicarem mais com a sociedade”, disse José Goldemberg, presidente da FAPESP.
A produção conjunta do programa Ciência Aberta faz
parte de um acordo entre a FAPESP e a Folha de S.Paulo, que inclui também
publicação de reportagens da Agência FAPESP, em português, inglês e espanhol,
nas edições impressas e on-line da Folha
www1.folha.uol.com.br/especial/2018/agencia-fapesp/
Foto
© Reprodução.
Portal
MSN.
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