As revelações da ciência sobre o amigo animal.
Pesquisas mostram que cachorros têm capacidade de desenvolver
relacionamentos de afeto com Humanos e outras espécies, de demonstrar
sentimentos e, inclusive, amar
QUASE HUMANO
Desde que haja troca de afeto, cachorros são capazes de
demonstrar emoções incríveis: animal amoroso e solidário (Crédito: Desenho
sobre foto: Art Pet)
Há mais ou menos 15 mil anos, homens e cachorros primordiais,
todos lobos domesticados, começaram a estabelecer uma relação muito especial,
uma conexão profunda que evoluiu até os nossos tempos.
Desenvolveu-se uma empatia mútua entre os dois, um entrosamento
natural e, inclusive, biológico. Em alguns países do Ocidente, como Estados
Unidos e Brasil, os cães passaram a ocupar um lugar de quase humanos e se
tornaram os mais populares dos animais.
Tornaram-se companhia constante de milhões de pessoas, são
companheiros e, quando você chega em casa, estão eufóricos e com olhar de
saudade. Gasta-se, às vezes, mais dinheiro em um mês com o cachorro do que com
a própria alimentação.
Somos apaixonados por eles e temos certeza de que sentem o mesmo
por nós. São animais que nos fazem bem.
Estudo
recente mostra que o carinho é o ingrediente secreto que torna os cães bem-sucedidos
na luta pela sobrevivência
“A gente
pode ter outro cachorro, mas
nenhum vai
substituir a Luli, ela é
insubstituível.
É um amor para sempre”
Heloísa Resende, professora de educação física (Crédito:Arquivo
pessoal)
Um livro recém-lançado nos Estados Unidos, “Dog is love: Why and How your
dog loves you” (Cachorro é amor: por que e como seu cachorro ama você),
escrito por Clive Wynne, psicólogo e fundador do Canine Science Collaboratory
da Arizona State University, decifra o enigma desse relacionamento poderoso.
Mostra que não é exatamente a inteligência do animal, o fato de
ele entender cerca de 150 palavras, por exemplo, nem o mimetismo ou o
antropomorfismo que importam na relação entre humanos e cães.
O importante está na aptidão desses animais por formar
relacionamentos de afeto com outras espécies, ou seja, a capacidade de amar.
Nenhum outro bicho ama da mesma forma e tão fácil como os cães,
que expressam seu sentimento não só com humanos, mas também com pinguins,
golfinhos, leões e qualquer outro ser com quem ele tenha uma oportunidade de
interação afetiva.
“Do ponto de vista daqueles que estudam cães, a ideia de que é o
carinho e não a inteligência o ingrediente secreto que faz os cães serem
bem-sucedidos é bastante radical”, disse Wynne, em entrevista ao jornal
americano The Washington Post.
“Eles se apaixonam muito mais facilmente do que as pessoas e
podem formar novos relacionamentos amorosos com mais facilidade do que os
humanos”.
Sim, o que importa é o carinho. Desde que haja troca de afeto,
cachorros são capazes de demonstrar emoções incríveis, que vão da alegria do
reencontro até o compartilhamento da tristeza.
São seres plenos de empatia e que sofrem com a ansiedade. Alguns
vivem o luto da mesma forma que os seres humanos, demonstrando profundo pesar,
e outros são capazes de passar dias na porta de um hospital à espera do dono
internado.
A química do amor
A troca de olhares entre o ser humano e o cão ativa a produção
da ocitocina, hormônio responsável pelas relações afetivas e pelo prazer
Quanto mais tempo o dono se mostra atencioso com o cachorro,
maior a sensação de felicidade das duas partes
Além de aumentar a ocitocina, o contato com o cão reduz o
cortisol, substância associada ao nível do estresse, e diminui o batimento
cardíaco e a pressão sanguínea
Já se sabe há tempo que o relacionamento com o cachorro dispara
um caldeirão hormonal nos humanos e vice-versa. Há uma química no
relacionamento.
O hormônio ocitocina, responsável pelas sensações afetivas e
pelo prazer, é liberado dos dois lados no encontro da pessoa com o animal. Ele
traz uma sensação de conforto e felicidade. Outros hormônios como a endorfina e
a serotonina também são disparados. É uma relação simples e pura, que envolve
necessidades essenciais.
Está comprovado que o amor entre pessoas e cães traz benefícios
à saúde. Essa relação é explorada pela cinoterapia, terapia assistida por
animais, que está disseminada no Brasil. Ela aposta, justamente, na liberação
dessas substâncias que promovem o bem-estar.
O tratamento é eficiente para diminuir o estresse, balancear a
temperatura corporal e até eliminar o risco de problemas cardíacos.
“A troca de energia e de sensações aparece desde o olhar até o
toque”, afirma Naylla Tomé, uma das fundadoras do Grupo de Apoio à Cinoterapia,
em São Paulo.
Segundo ela, em trabalhos realizados em unidades da Associação
de Pais e Amigos de Excepcionais (APAE), muitas crianças não têm, a princípio,
a vontade de acariciar os animais, mas a mera observação do movimento dos cães
já ajuda a vencer o medo e despertar a curiosidade.
O grupo também usa a técnica em ambientes empresarias e asilos,
algo que pode até aumentar a produtividade dos escritórios.
No Hospital Infantil Sabará, em São Paulo, as visitas de
cachorros às crianças doentes acontecem semanalmente. “O contato com os animais
ajuda os pacientes na comunicação e até na diminuição da sensação de dor”, diz
a psicóloga Tatiane Ichitani, que dirige, desde 2013, a ONG Instituto Cão
Terapeuta.
Dedicada à cinoterapia, Tatiane estudou os efeitos da interação
canina sobre a sensação de dor e chegou a resultados altamente positivos.
Crianças com inapetência e sem vontade de se mover mudam imediatamente de
comportamento ao se deparar com um amigo animal. Esquecem que estão doentes.
Alegria das crianças
A bióloga Fernanda Miolaro sabe perfeitamente dos benefícios
desse encontro. Na semana passada, ela precisou internar no Sabará seu filho
Tom, de quatro anos, diagnosticado com pneumonia.
“Foi o cachorro chegar para que os olhos do meu filho começassem
a brilhar”, conta Fernanda. “Ele estava caidinho e ficou todo animado, levantou
e foi no corredor brincar”.
A mãe tem certeza de que a melhora do filho foi acelerada pela
visita de Eva, uma cadelinha Shitzu preta, dócil e amorosa, que faz parte da
equipe da ONG Instituto Cão Terapeuta. Fernanda conta que Tom adora bichos e
quando vê um cachorro na rua ele quer abraçar.
TERAPIA Fernanda Miolaro e o filho Tom, de quatro anos,
internado com pneumonia no Hospital Sabará: “Foi a cadelinha Eva chegar para
que os olhos dele começassem a brilhar” (Crédito:MASAO GOTO FILHO / Ag. ISTOÉ)
O amor, é claro, só aparece e se fortalece quando é conquistado.
Quem não cuida, perde o afeto do animal. Há uma relação de troca que é
alimentada e potencializada pelo ser humano.
“Ter um animal é uma faca de dois gumes, tem impacto positivo e
negativo”, diz Tatiane. “Não adianta ter um cachorro só por capricho, é
necessário estar disponível e cuidar dele”. É isso que intensifica a relação
amorosa e torna a convivência prazerosa.
Se o dono não der qualidade de vida para o bicho, ele vai ficar
estressado e os hormônios do prazer vão desaparecer dos dois lados. Em vez de
amor, o relacionamento será dominado pela tensão.
O estresse do dono contamina o animal e não há relacionamento
que se sustente sem carinho. “As pessoas tratam os cachorros como filhos e
querem dar para seus cães a mesma qualidade de vida que dão para si próprias”,
afirma Patrícia D’Abreu, médica veterinária e especialista em nutrição.
A prova de que o cachorro desperta bons sentimentos e beneficia
a saúde é dada pela gastróloga Mariana de Oliveira, que adotou a cadela Olívia,
uma Golden retriever de dois anos que ficou paraplégica depois de cair de uma
laje de sete metros de altura.
A adoção do animal mudou radicalmente a vida de Mariana, que,
desde pequena, sempre teve cachorros. Mas cuidar de Olívia lhe trouxe um ganho
emocional importante, além de beneficiá-la em outros aspectos de qualidade de
vida, com a prática de atividade física.
Equipada com um suporte de rodas que sustenta suas patas
traseiras, a cadela passeia na rua duas vezes por dia e tornou a rotina de
Mariana menos sedentária.
“É gratificante chegar em casa depois de um dia duro de trabalho
e ver a Olivia abanando o rabo”, afirma. “Sou dependente de seu olhar puro e
alegre”
EMPATIA Mariana adotou a cadela paraplégica Olívia: ganho emocional e
qualidade de vida (Crédito:Divulgação)
A força do
vínculo entre pessoas e cachorros é demonstrada não só na vida, mas também na
morte. A professora de educação física para idosos Heloísa Resende enfrenta até
agora o luto pela morte de sua cadelinha Dachshund, em agosto passado.
Quando lembra do animal, que tinha 15 anos, Heloísa chora. “Ela
teve um problema renal e passei um mês alimentando-a com líquidos”, diz
Heloísa. “Eu sentia que ela me olhava e me agradecia o tempo inteiro por eu ter
cuidado dela até o final”.
Para Heloísa, o que marca a relação entre seres humanos e
cachorros é a reciprocidade. Ela crê que eles devolvem plenamente o amor que
recebem. Para guardar uma lembrança de Luli, Heloisa mandou pintar um retrato
da cadelinha, que vai ficar para sempre na sua parede. “A gente pode ter outro
cachorro, mas nenhum vai substituir a Luli”, desabafa. É um amor para sempre.
Conteúdo
Revista ISTOÉ.
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