Por que a carne continuará mais cara em 2020 (e pode piorar).
© REUTERS/Amanda Perobelli Segundo a Associação Brasileira de Supermercados (Abras), em menos de três meses o custo do contrafilé subiu 50% para os supermercados; o do coxão mole, 46%. Por isso, foram repassados aos consumidores.
Depois de encarecer o fim de ano dos brasileiros, o aumento do preço da carne observado nos últimos meses promete se estender também por 2020 — pelo menos nos primeiros meses do ano, na visão de especialistas em comércio exterior e inflação ouvidos pela BBC News Brasil.
Isso porque os graves problemas que atingiram a monumental produção de porcos na China, que tem comprado mais carne do Brasil e desabastecido o mercado brasileiro, ainda estão longe do fim.
E, em tempos de dólar alto, vender para o exterior é bem mais atrativo que as vendas nacionais.
Em outubro, as vendas de carne bovina para os asiáticos subiram 62% sobre setembro, em um total de mais de 65 mil toneladas.
Nesse embalo, o preço do boi gordo no Brasil bateu recordes em novembro, segundo dados do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da Esalq/USP.
A razão para o aumento envolve, além do fator China, um momento de oferta restrita de bois no Brasil, um tradicional aumento da procura doméstica por carnes no fim do ano e o dólar cotado acima dos R$ 4, que aumenta ainda mais o ganho dos exportadores na hora de converter o dinheiro das vendas para real.
Segundo a Associação Brasileira de Supermercados (Abras), em menos de três meses o custo do contrafilé subiu 50% para os supermercados; o do coxão mole, 46%.
Por isso, o aumento foi repassado aos consumidores.
A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, disse, no fim de novembro, que os preços mais altos vieram para ficar.
"Neste momento, o mercado está sinalizando que os preços da carne bovina, que estavam deprimidos, mudaram de patamar", afirmou, em nota publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo.
Questionada se continua a consumir carne vermelha, respondeu em tom de brincadeira: "Estou comendo frango. Agora, é só frango".

Até 200 milhões de porcos na China podem estar sendo abatidos ou mortos por infecção, estimou o banco holandês Rabobank.
O início da peste
Tudo começou em setembro de 2018, quando a China anunciou que o vírus da peste suína africana havia sido detectado em sua produção de suínos para subsistência.
O alerta era grave:
A doença, altamente contagiosa e que causa hemorragia nos animais, é de notificação obrigatória aos órgãos oficiais nacionais e internacionais de controle de saúde animal, com potencial para rápida disseminação e significativas consequências socioeconômicas, segundo informações da Embrapa Suínos e Aves.
Em abril de 2019, veio a confirmação de que se tratava de um problema gigantesco: até 200 milhões de porcos poderiam ser abatidos ou mortos por infecção, estimou o banco holandês Rabobank.
"Teoricamente este número de suínos sacrificados ainda não foi atingido. Mas não existem dados oficiais", explica o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro.
De outubro para novembro, o preço internacional da tonelada da carne bovina aumentou de US$ 4,47 mil para US$ 4,86 mil, bem mais caro do que era em novembro de 2018, a US$ 3,9 mil.
Embora seja a proteína mais consumida na China, nenhum produtor mundial teria capacidade para alimentar os mais de 1 bilhão de habitantes do país com carne suína, e por isso a saída foi migrar as compras para carne de boi.
Nesse ramo, os maiores produtores são Estados Unidos, Brasil e Austrália.
Segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, o volume de carne exportado pelo Brasil se mantém acima das 100 mil toneladas desde julho de 2018, influenciado especialmente pela demanda chinesa.
Em novembro, a China até autorizou 13 novos frigoríficos brasileiros a exportar para o país para reforçar a produção.
Segundo o Cepea, da Esalq/USP, o volume de carne exportado pelo Brasil se mantém acima das 100 mil toneladas desde julho de 2018, influenciado especialmente pela demanda chinesa
Os preços atuais das prateleiras, explica Castro, refletem as cotações antigas da carne no mercado internacional, o que sinaliza que podem subir.
"A expectativa é que em dezembro [os preços internacionais da tonelada] subam mais", diz, acrescentando que é por isso que ele prevê que, nos próximos meses, os preços ao consumidor estarão ainda mais altos.
"O preço que está hoje ainda não espelha o mercado internacional, porque o exportador vende com antecedência. Quem vendeu no passado vendeu com os preços antigos. Quem está vendendo agora, sim, está usando os preços internacionais novos", diz.
O aumento das vendas para o exterior, além disso, pegou o mercado despreparado: de acordo com dados do Cepea, a oferta de bois nos pastos brasileiros continuava restrita em novembro em todas as regiões do país.
"De modo geral, o crescente abate de fêmeas em anos recentes resultou em restrição de oferta de animais. Nesse sentido, a pecuária nacional vai ter que responder com aumento de produtividade".
Quando o problema da China vai passar?
Desde o início da crise, havia a suspeita entre a indústria de carne que a situação da produção suína chinesa era pior do que era divulgado pelas autoridades.
A declaração oficial mais recente é de outubro, quando um oficial do Ministério da Agricultura, Yang Zhenhai, disse que a expectativa é recuperar 80% da produção suína em 2020.
Segundo ele, a peste dizimou 40% dos porcos do país.
Afirmou também que houve pouco progresso no desenvolvimento de uma vacina para combate do vírus.
Castro, da AEB, ressalta que, tratando-se de bois ou porcos, aumentar a produção não é rápido como na indústria, em que se pode ligar ou desligar máquinas de acordo com a variação da demanda.
"Um boi para entrar em tempo de abate precisa de pelo menos 18 meses, não é como uma indústria, que a demanda cresce e você pode reagir mais rapidamente. Se não tem carne hoje, não vai ter amanhã", explica.
A Agência Pará De acordo com o Cepea, da Esalq/USP, a oferta de bois nos pastos brasileiros continuava restrita em novembro em todas as regiões do país.
A inflação vai voltar a subir?
Atualmente, a inflação no Brasil, em meio à economia fraca, está comportada em relação a anos anteriores: o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fundação Getulio Vargas, por exemplo, acumula alta de 2,9% em 2019 e 3,51% nos últimos 12 meses.
No Índice de Preços ao Consumidor do Município de São Paulo, medido pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da USP (Fipe/USP), a carne bovina acumula alta de 1,76% em 2019 até outubro, menos que os 2,27% do mesmo período de 2018, marcado por pressões da greve dos caminhoneiros e variação cambial.
Em 2015, no mesmo período, a inflação da carne era de 10,74%.
Guilherme Moreira, coordenador do IPC da Fipe, diz que os preços da carne andavam contidos, e por isso não vê riscos de que a inflação "estoure" no ano que vem.
"Sozinha a carne não vai estourar a inflação, por mais que continue subindo ao longo do tempo. Todos os anos tem um choque desse tipo; batata, feijão", pondera.
André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor e analista de inflação da Fundação Getulio Vargas (FGV), prevê que a carne permaneça em patamares mais altos até pelo menos o primeiro trimestre do ano que vem, e vá perdendo fôlego ao longo do ano.
"Acredito que não vai terminar 2020 como a grande vilã da inflação".
As carnes (incluindo bovina, peixes, aves e suínos) representam um gasto de cerca de 3% da renda familiar do brasileiro.
O economista da FGV explica que as carnes (incluindo bovina, peixes, aves e suínos) representam um gasto de cerca de 3% da renda familiar do brasileiro.
"Fazendo uma comparação, pesa tanto quanto uma conta de luz. Pode pesar mais".
Ele explica que os preços contidos, citados pela ministra da Agricultura, se devem a razões conjunturais, como, por exemplo, a recessão econômica.
"Carne é um produto de primeira necessidade, mas é caro. Então as famílias diminuem o consumo em momentos em que está mais comprometido".
Além da demanda fraca, ele aponta fatores como chuvas e pastagens mais regulares, que ajudam a evitar alta de preços.
"O fato é que, por enquanto, a carne vai continuar mais cara. O que o consumidor pode fazer, para fugir um pouco, é comprar menos, não para que o preço volte o que era, mas para evitar novos aumentos que não são necessários".
Moreira, da Fipe, diz que vê no câmbio uma pressão mais importante para a inflação do que a carne.
"Ano passado teve greve dos caminhoneiros, o dólar subiu e a contaminação para a inflação foi praticamente nenhuma, muito localizada. Não vejo tantas preocupações com a inflação".
A consultoria LCA, que prevê inflação de 0,39% medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de novembro, diz que no mês que vem a expectativa é de que o efeito da China sobre os preços da carne se estendam também para outras proteínas como as carnes suínas, ovos e peixes industrializados, que "serão os mais afetados direta e indiretamente pelos efeitos da febre suína que aplaca o país asiático" e podem ter algum aumento nos preços.
IMAGEM© REUTERS/Amanda Perobelli.
Portal MSN.
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