Entre os tantos desafios que esta pandemia tem nos colocado, a
convivência com o tédio é certamente um dos mais recorrentes.
Em um estudo publicado na Itália, no final de março, com pessoas
que estavam em situações de isolamento por mais de um mês, o tédio foi citado
como uma das questões mais difíceis de lidar, ficando atrás apenas da sensação
de perda de liberdade.
A verdade é que o tédio, definido com incômodo ou desgosto
temporário, sempre fez parte do grupo das emoções desconfortáveis, das quais
tentamos escapar assim que possível.
Esse sentimento irritante é, na verdade, um sistema de alerta
sofisticado para o nosso cérebro de que não estamos contentes com o que estamos
fazendo e um empurrão para uma atitude de mudança.
Conforme pesquisa realizada pelo psicólogos alemães Thomas Goetz
e Anne Frenzel, publicada no jornal Motivation and Emotion, existem diferentes
estágios do tédio.
Em um primeiro momento, a
sensação de apatia e relaxamento é seguida de uma fase em que nossa mente
começa a nos abrir diferentes portas de saída.
Imaginamos soluções, como por exemplo ir comer alguma coisa,
ligar a TV, ler um livro ou tomar um banho.
Na fase três, chamada de busca, entramos no processo de
pesquisa. Se eu decidir comer, por exemplo, sei que posso abrir a geladeira e
começar a procurar soluções.
A quarta etapa é a reativa,
um momento ativo de ruptura onde decidimos produzir e criar para resolver o
problema, seguindo o exemplo acima poderíamos decidir ir fazer um bolo.
Peter Toohey, autor do livro ‘Boredom, a lively story’, resume:
“a
criatividade é um antídoto para o tédio, as pessoas produzem coisas criativas
para medicar seu problema”.
Tenho vivido e visto esta experiência na prática. Minha filha de
6 anos faz parte da chamada geração alfa, formada por crianças que nasceram de
2010 para frente, ano em que a Apple criou o iPad.
Esta é a primeira geração que está convivendo desde o berço com
a tecnologia e, para a qual, o mundo analógico pode parecer muito distante.
Porém, neste período de isolamento, tanta tecnologia também
entedia. E eu, fazendo parte do grupos de mães executivas, frequentemente tenho
o impulso (e inúmeras vezes cometo o erro) de tentar promover a ela uma agenda
repleta de atividades e programações.
Mas o fato é que, nesta quarentena, não estou dando conta. Quer
saber a consequência? O tédio, exatamente como dizem os especialistas, tem
potencializado a criatividade dela.
Tenho desenhos por toda a parte da casa, livros que a Carol
decidiu escrever do inicio ao fim por si só, e até cartazes na porta do quarto
dela avisando à fada do dente: “pode vir, pois aqui não tem coronavírus”.
Exercícios constantes para prevenir e resolver problemas e as
mais diversas formas de uso da criatividade para expressar sentimentos
positivos e negativos deste período de isolamento.
Com tudo isso, somado ao meu incontrolável impulso de procurar
ver sempre o “lado cheio do copo”, deixo aqui um convite: se conseguirmos nos
manter (e manter nossas crianças) no inconforto do tédio, com certeza sairemos
de tudo isso mais abertos à criatividade e, portando, mais preparados para o
novo normal que teremos pela frente.
Cintia Gonçalves é publicitária,
estrategista e mãe de uma menina de 6 anos. Com 25 anos de carreira, liderou
uma das mais importantes agências de publicidade do mundo. Hoje estuda e
ministra palestras sobre cultura, comportamento, criatividade e futuro do
trabalho. Atua na construção de estratégias de negócios e comunicação, além do
desenvolvimento de lideranças.
©
pchyburrs/Getty Images.
Por: Cintia Gonçalves.
Portal MSN.
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