BRASÍLIA
(Reuters) - Ao assumir a presidência do G20
este ano, o Brasil trouxe para a
presidência do bloco a determinação de colocar a voz do chamado Sul Global na mesa com as maiores
economias do mundo e moldar as decisões para incluir anseios desses países, em
um movimento que tem causado desconforto entre as nações mais ricas.
Dos
sete países convidados pelo Brasil para fazer parte das negociações do bloco
este ano, quatro fazem parte do chamado Sul Global: Angola, Egito, Nigéria e
Emirados Árabes Unidos.
Entraram
ainda como convidados Bolívia, Uruguai e Paraguai, os países do Mercosul que
não fazem parte do G20.
No
ano passado, por pressão brasileira, a União Africana foi admitida como membro
pleno do G20, um espaço antes reservado apenas para a União Europeia.
Até
então, o continente africano, que tem um Produto Interno Bruto (PIB ) conjunto
de 3
trilhões de dólares, tinha apenas a África do Sul como representante.
A
inclusão a União Africana como membro pleno tem um impacto decisivo em um dos
principais objetivos do Brasil para sua presidência do G20, a reforma das
instituições de governança global, inclusive as financeiras, como Banco Mundial
e Fundo Monetário Internacional (FMI), uma vez que o G20 influencia diretamente
as decisões desses organismos.
Este
ano será o primeiro em que a União
Africana participará como membro pleno do G20. Com sua inclusão, aponta uma
fonte brasileira, os países do Sul Global passaram a ter cerca de 80% dos
boards do FMI e do Banco Mundial, um peso significativo para pressionar por
mudanças na forma de liberação e aplicação de recursos e para decidir o comando
das instituições, normalmente controladas por europeus e norte-americanos.
"Não
faz sentido uma presidência brasileira que não coloque as questões dos países
do Sul Global no centro",
disse uma outra fonte brasileira que acompanha as negociações do G20.
O
próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva já deixou claro que seu objetivo à
frente do G20 é tratar dos assuntos que mais atrapalham o desenvolvimento
desses países. Daí os temas escolhidos pela presidência brasileira como
prioridades: reforma da governança global, combate à fome e à pobreza e combate
às mudanças climáticas.
"Há
quem questione o conceito de Sul Global,
dizendo que somos diversos demais para caber nele. Mas existem muito mais
interesses que nos unem do que diferenças que nos separam", defendeu Lula
ao discursar em novembro do ano passado na cúpula virtual Vozes do Sul Global.
A
preponderância de uma voz unificada do Sul Global se reflete, por exemplo, na
discussão na trilha financeira do G20 sobre a dívida dos países africanos.
Há
uma pressão a favor de uma proposta brasileira de trocar a dívida por
investimentos em combate à pobreza.
Uma
outra fonte a par das negociações contou à Reuters que o ministro da Fazenda e
coordenador da trilha financeira, Fernando
Haddad, irá se encontrar com os autoridades de todos os países africanos
presentes no G20, mostrando a ênfase que o Brasil
está dando a essas questões.
Como
Haddad foi diagnosticado com Covid nesta segunda-feira, pode ser que os
encontros ocorram de forma remota.
No
entanto, do lado econômico há um cuidado em afirmar que o Brasil está empenhado
em engajar Norte e Sul em um diálogo construtivo. "A interpretação de que
há um desejo de enfatizar a liderança do Sul Global é mais da trilha de sherpas
(política) do que da financeira", disse uma fonte brasileira do lado
econômico das negociações.
De
fato existe uma decisão política, dizem os diplomatas brasileiros, de tentar
que o G20, onde existe uma igualdade maior de espaço para os dois lados,
enfrente problemas que afetem a todos, especialmente em um momento complicado
do cenário global.
"Existe
uma cota desproporcional de poder para os países desenvolvidos nas organizações
internacionais. O G20 é onde existe igualdade de condições, e para pôr assuntos
na agenda é preciso uma coalizão de interesses", disse uma das fontes,
essa ligada às negociações diplomáticas.
"Mas
é preciso ter prudência para não alienar parceiros tradicionais, que tem poder
para agir, não criar muxoxos e gerar resistências."
Por
isso, o trabalho dos negociadores brasileiros tem sido de equilíbrio em uma
linha fina entre os dois lados para conseguir avançar nas agendas e não criar
mais bloqueios do que avanços.
DESCONFORTO
A
preponderância da voz sulista nas discussões já tem criado algum desconforto no
clube dos países mais ricos. Sob condição de anonimato, um negociador de um dos
países do G7 reconheceu que as negociações da trilha financeira serão difíceis
para as economias avançadas.
"O
comunicado será o primeiro em que as economias do Sul Global terão a liderança
no seu desenho. E trata de transferir mais dinheiro dos países avançados para
as economias emergentes", afirmou essa fonte.
"O
G20 esta se tornando o principal campo de batalha entre as economias avançadas
e as economias do 'Sul Global', que querem assumir a liderança do G20, particularmente
com os Estados Unidos preocupados com as eleições americanas e as economias
europeias fracas", acrescentou.
Na
verdade, a presidência brasileira é a terceira seguida nas mãos de países
emergentes, depois de Indonésia, em 2022, e Índia, em 2023, e será seguida pela
África do Sul, no ano que vem.
Diplomatas
brasileiros reconhecem que essa sequência mudou o foco do bloco e abriu caminho
para o Brasil avançar em questões objetivas da agenda dos emergentes e em
desenvolvimento.
"Construímos
em cima de uma base que foi montada, vendo o que teve de erros e acertos",
disse uma das fontes brasileiras.
Josep Borrell, chefe da diplomacia da União Europeia, reconheceu que o Brasil
conseguiu colocar os interesses e as preocupações do chamado Sul Global no
centro das discussões, mas afirmou que os países avançados terão que lidar com
isso.
"O
Brasil conseguiu colocar a tônica nos interesses e preocupações do chamado Sul
global. Não é mais um diálogo das grandes potências. Para nós, europeus, isso é
bom. Nós temos que nos aproximar mais dos outros para evitar que o mundo seja
divide em 'o resto contra o ocidente'", defendeu em entrevista na semana
passada ao participar de encontro dos chanceleres do G20 no Rio de Janeiro.
"Ter
a União Africana sentada a mesa é
muito importante. Daqui a 20 anos uma em quatro pessoas no mundo será africana.
Tirar os africanos dos fóruns mais importantes é uma ideia louca, porque nós
(europeus) somos 5% da população mundial e estamos fortemente
representados."
Criado
para definir os países do hemisfério sul, o conceito de Sul Global surgiu para
designar países normalmente em desenvolvimento ou emergentes em substituição ao
termo "terceiro mundo". Apesar das diferenças culturais, de
desenvolvimento e até tipos de governo, o conceito consegue amalgamar
diferentes necessidades que, muitas vezes, estão em oposição direta àquelas das
nações mais ricas.
(Reportagem de Lisandra Paraguassu e Marcela Ayres em Brasília e Leika
Kihara, em Tóquio).
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante entrevista coletiva no
Palácio do Planalto 26/02/2024.
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Adriano Machado© Thomson Reuters
Conteúdo UOL.
Como o Brasil
está moldando o G20 para dar voz ao Sul Global… - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/reuters/2024/02/27/como-o-brasil-esta-moldando-o-g20-para-dar-voz-ao-sul-global.htm?cmpid=copiaecola